Em “A Música Segundo Tom Jobim”, Nelson Pereira dos Santos usava apenas a arte do maestro soberano para mostrar sua importância para a cultura brasileira e mundial. O filme era imagem e som. Neste “A Luz do Tom”, que entra em cartaz nesta sexta-feira, quem complementa o retrato do músico são três olhares femininos muito especiais: o da irmã, Helena Jobim, e os das ex-mulheres Thereza Hermanny e Ana Lontra Jobim.
São elas que falam de Tom na infância e juventude (Helena), no início e auge da carreira (Thereza) e em sua fase rica final (Ana Lontra). Três pontos de vista femininos, que descrevem muito bem a história do nosso mais importante compositor moderno. A Tom devemos obras-primas como “Chega de Saudade”, “Desafinado”, “Matita Perê”, “Águas de Março”, entre muitas outras obras que tornaram nossa existência melhor, mais inspirada e amena. A Nelson, devemos esse retrato em duas faces, que faz jus à grande figura de Tom.
Nelson e Tom são artistas de mesmo porte. Aos 84 anos, Nelson é nosso mais importante cineasta, pai do cinema brasileiro moderno. Em 1955, cozinhou a versão brasileira do neorrealismo italiano com o seminal “Rio 40 Graus”. O filme abriu caminho para o nascimento do Cinema Novo, movimento ao qual se incorporou (“Fui cooptado”, brinca). Membro do Partido Comunista fez forte denúncia da miséria do Nordeste com “Vidas Secas”, adaptação do romance homônimo de Graciliano Ramos.
Na época da ditadura, driblou a censura com filmes alegóricos como “Quem É Beta? e “Como Era Gostoso meu Francês”. Dirigiu o filme da abertura política, “Memórias do Cárcere”, também de Graciliano, e adaptou Jorge Amado (“Jubiabá”, “Tenda dos Milagres”). Documentou a vida de pensadores fundamentais como Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre e, por fim, chegou a Tom Jobim. Eleito em 2006 para a Academia Brasileira de Letras Nelson sente-se feliz como um garoto. E cheio de planos.
Sem ter o encanto do filme anterior, “A Luz do Tom” funciona como um complemento informativo ao primeiro, totalmente sensorial e emotivo. A verdade é que as três mulheres concorrem para formar o retrato multifacetado de Tom. De Helena, vem a infância e os anos de formação. De Thereza, os primeiros anos como músico, o estudo árduo, e o sucesso repentino. E de Ana, o Tom da maturidade, e do contato aprofundado com a natureza.
Escapando à rotina do documentário de depoimentos, Nelson trabalha visualmente com o universo imagético de Tom Jobim. São presenças constantes na paisagem as praias, o mar, a mata, as árvores, o voo do urubu – o pássaro soberano quando no céu e desgracioso em terra. “A Luz do Tom” é um filme muito tátil em sua concepção fotográfica, dirigida por Maritza Caneca, mas incorpora os sons da natureza junto com a música em seu desenho de linguagem cinematográfica.