DO BLOG DE RICARDO KOTSCHO
As deprimentes cenas de burrice e intolerância no rastro da visita da blogueira cubana Yoani Sánchez ao Brasil, desde a sua chegada ao Recife no domingo, passando por Feira de Santana, Brasília e agora São Paulo, fazem-me recorrer novamente ao sábio Frederico Branco, que nos ensinava na velha redação do “Estadão”: tem coisa que pode e tem coisa que não pode.
Não pode, por exemplo, um grupelho de furiosos militantes pró-Cuba
perseguir a moça onde quer que ela vá, puxar seus cabelos, esfregar
notas falsas de dólar na sua cara, impedí-la de participar de debates,
de exibir um filme e até de dar autógrafos, como aconteceu na noite
desta quinta-feira numa livraria aqui em São Paulo.
Pouco me importa saber se ela é agente da CIA, do Mossad, do Vaticano ou de Hollywood, se é financiada por uma entidade de jornais conservadores ou se está a serviço de quem quer que seja.
Yoani Sánchez tem todo o direito de falar o que quiser e quem não
estiver de acordo que a conteste nos debates ou nas redes sociais. O que não pode é impedí-la de expressar o que pensa e impedir a sua livre circulação pelo país.
Além de tudo, é uma cretinice o que esses militantes estão fazendo,
pois transformaram Yoani em celebridade de um dia para outro,
deram-lhe uma visibilidade na mídia que jamais teria, se simplesmente a deixassem cumprir sua agenda no Brasil.
O resultado disso é que apenas atiçaram o ódio devotado desde sempre ao regime cubano pelos celerados blogueiros e colunistas abrigados no nicho de mercado dos neocons da nossa mídia grande, que aproveitaram a deixa para atacar o governo petista e jogar a blogueira no colo do PSDB, em mais um Fla-Flu de intolerância explícita.
Pode Yoani ter ido além das chinelas, ao cobrar, por exemplo, em
debate promovido sugestivamente no “Estadão”, mais “dureza ou
franqueza” do governo brasileiro na defesa dos direitos humanos em
Cuba, como se um país pudesse dizer a outro o que deve ou não fazer.
Pois não tem a menor importância o que ela diga, mas sim o direito de qualquer cidadão expressar livremente suas ideias em solo brasileiro. Até porque, as declarações críticas de Yoani sobre o regime cubano não trouxeram nenhuma novidade em relação ao que ela já escreve em seu blog faz mais de cinco anos.
A simples presença de Yoani Sánchez no Brasil, primeiro país visitado em sua volta ao mundo, deveria ser festejada como um sinal de abertura do regime cubano — uma abertura lenta, gradual e segura, como aquela que tivemos aqui na ditadura brasileira, patrocinada pelo general Ernesto Geisel, no final da década de 1970.
O atraso mental e a truculência dos que ainda vivem nos tempos da
Guerra Fria, transformaram a inofensiva Yoani, de quem poucos haviam ouvido falar, em vítima indefesa, e sua visita, em manchete de jornal, como se estivéssemos à beira de um conflito armado.
Deixem a moça em paz, e vamos cuidar da vida, que a gente ganha mais.