Por Flávio Chaves – Jornalista, escritor, poeta e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc
Todo ano neste tempo de momo a nossa memória se reveste de uma inexplicável alegoria. Sons, cores, confetes, serpentinas, pierrôs, arlequins, colombinas. Imensos salões se abrem dentro do corpo. Orquestras inteiras tocam dentro da gente mesmo quando imaginamos ser imensa ilha, sem batuques ou ziriguiduns. Às vezes pensamos isto: viver sem direito à folia e acenos. Não passamos de um homem vestido de ilusão. Daí chegar a imortalizar algumas canções escritas sobre a solidão que se fizeram tão famosas pelo seu teor filosófico existencialista que mesmo em tão pequenas frases vinham carregadas de toda a melancolia invadindo as multidões em delírio.
Por serem tão plangentes as expressões criadas pelos autores, hoje possuímos uma verdadeira galeria de figuras inesquecíveis como Antônio Maria, Nelson Ferreira, Jair Amorim, Capiba, Wilson Batista, entre outros. Mas nunca é tarde. Sempre, há tempo, descobrimos. Uma rua, uma avenida, o mar, um pequeno salão para o frevo e o passo da magia. De repente, sem esperar, uma serpentina linda se enrosca em nosso corpo nos puxa para a existência. Traz um confete. Põe com ele um ponto final na angústia de uma vida inteira. Chama a gente, suave e sorrateiramente, para um corso com troças e blocos na incandescência do vaivém, enchendo-nos de garra e entusiasmo.
O coração nas mãos, e no passo da alegria sente o compasso de não ser ilha e sim um continente. Vai com o frevo no pé, enlaçados no calor da multidão. Encontra-se como quem toca o sonho numa linda marchinha que emociona a chegada ao país do Carnaval chamado infância. Como quem senta pela primeira vez, trêmulo, no tamborete de um botequim, cafofeando o sonho ou driblando o destino de ser sempre só, e diz no ouvido da amada: você é o meu bloco de carnaval; a minha serpentina querida, o confete da cor dos meus olhos, o estandarte do meu amor, o bloco da saudade dos carnavais que a vida nunca me trouxe.
Vem menina, com chuva ou com sol, fazer de nós dois um só. Nesta hora parece bater no coração o frevo rasgado de Vassourinhas que consegue estrondar todo Pernambuco e o Mundo. Atordoa como um passo de cruzeta ou tesoura de um frevar gostoso. Parece mais o Mundo pegando fogo. O clima se envolve no colorido das fitas da lança de um caboclo. Sente-se zunir todos os tambores num batuque estrondoso do bate e rebate de um maracatu entrando no coração, vem com uma carga cerrada de energia e um ímpeto de solene alegria, porque evoca tempos desejados para viver e momentos tocados num sopro aceso em clarins e já traz a doce saudade crescendo nos versos que os personagens entoam na folia do grande abraço.
E a amada olha com o seu olhar em brasa e diz com a força da sentença e a leveza de uma rosa: é! O nosso bloco é mesmo ensolarado, é a folia do amor coroado… E passa a se ouvir sons de bandolins, banjos, pandeiros e cavaquinhos perto de um suave som de saxofone. E sorrindo ela diz: “… queiram ou não queiram, o nosso amor é de fato campeão…” e grita: …Vem! Que a vida é a gente.
E agora, como quem se ocupa de na alegria, ser passista na avenida para espalhar sorrisos aos outros, que o instante se faz dos mais felizes. Isto porque o ritmo, a marcha, o canto fazem a alma extravasar, o coração pulsar, o rosto encher-se de riso e o frenesi impera.
Flávio Chaves