A Inquisição no Brasil. Por José Paulo Cavalcanti Filho

  Por José Paulo Cavalcanti Filho  –  Escritor, poeta, membro das Academias Pernambucana de Letras, Brasileira de Letras e Portuguesa de Letras. É  um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade   –   Na última semana vimos, aqui nestas páginas, como nasceu o Tribunal do Santo Ofício na França (em Orleans, 1022); e como se espraiou, primeiro para Espanha (em 1478) e depois a Portugal (em 1536). Registramos também como funcionava, em Autos de Fé que semearam o terror nessas terras.

Eram tempos duros, amigo leitor. Em que os tribunais estavam a serviço nem sempre da religião católica, também atendendo à política e a interesses econômicos privados. Como se cada inquisidor tivesse bolsos recheados e corações empedernidos. Mais grave é que, nas suas sentenças, nada lembrava o Deus em nome de quem diziam agir. Os documentos daquele termo não deixam qualquer dúvida. Falta ver, agora, a continuação disso tudo. E como atingiu o Brasil, inclusive nosso Pernambuco.

Condenados, na Inquisição, eram divididos entre Reconciliados ? aqueles que, depois das penitências, voltavam a frequentar a Igreja, explicitando o domínio da fé sobre a heresia; e Relaxados ? condenados que eram com frequência executados, com a morte se dando por garrote ou na fogueira. Todos obrigados a usar um Hábito Penitencial chamado Sambenito, com imagens de fogo que variavam: chamas para cima, no caso dos Reconciliados; e para baixo, no dos Relaxados.

Apenas entre 1543 e 1684 foram condenados, em Portugal, 19.247 infiéis, dos quais 1.379 acabaram indo antecipadamente para o inferno.  Só não era função do Santo Ofício punir crimes comuns, como homicídio ou roubo, que continuaram permanecendo responsabilidade da Justiça Secular. Ao Santo Ofício cabia, somente, os considerados heréticos.

A partir de 1560, a Inquisição estendeu seus braços além das terras continentais portuguesas, para atingir todos os seus territórios ultramarinos. Especialmente colônias africanas, entre elas destaque para Goa (Índia) e o Brasil, lugares onde foi tão atuante como em sua sede europeia. Mesmo não chegando, o Santo Ofício, a criar Tribunais de Inquisição fora de Portugal.

Responsável pelos processos, nesses outros lugares, continuou sendo sempre o Tribunal de Lisboa. Enquanto, no Brasil, tudo se operava com visitações de missionários Jesuítas que tinham a missão de fazer inspeção para observância da fé e dos bons costumes. Primeiras expedições de Visitadores, ao Brasil, ocorreram em 1591 e 1595 ? envolvendo Bahia, Goiás, Paraíba e Pernambuco.

Esses Visitadores, ao chegar, concediam 30 dias para que os moradores locais apresentassem denúncias ou se declarassem arrependidos. Eram fixados, nas portas das igrejas, Monitórios com informações detalhadas sobre os crimes que deveriam ser denunciados ? bigamia, blasfêmia, feitiçaria, islamismo, protestantismo, sodomia, solicitação (assédio), quaisquer outros atos que ofendessem a fé cristã e, sobretudo, judaísmo (desses delitos, o mais rentável à coroa portuguesa).

“Monitório do Inquisidor Geral, per que manda a todas as pessoas que souberem d’outras, que forem culpadas no crime de heresia, e apostasia, o venhão denunciar em termo de trinta dias”; e “se algumas pessoas, ou pessoa, tem livros, e escrituras, para fazer os ditos cercos, e invenções dos diabos, como dito he, ou outros alguns livros, ou livro, reprovados pela Sancta Madre de Deus”.

Não apenas monitórios, também vários Éditos, pelos quais os visitadores obtinham informações que pudessem embasar seus processos. Entre eles, sobretudo, Éditos de Graça, listando uma série de heresias que poderiam ser confessadas pelos habitantes locais; e Éditos de Fé, com descrição de práticas a serem denunciadas. Em todos os casos, prevendo penas brandas para os acusados. Sendo comum que os locais aproveitassem esse tempo, concedido pelos Éditos, para fazer confissões espontâneas; evitando, assim, os riscos de excomunhão ou confisco de bens.

Confissões aconteciam perante os Visitadores, aos quais deveria dizer “tudo o que souberem de vista ou de ouvida, que qualquer pessoa tenha feito, dito ou cometido contra a nossa Santa Fé Católica”, sob pena de “excomunhão maior”.

Na Bahia, sobretudo, a um Visitador conhecido apenas como Heitor (o padre Heitor Furtado de Mendonça), por vezes com a presença de autoridades locais, como o bispo António Barreiros, o provincial dos jesuítas Marçal Beliarte e o reitor do colégio, padre Fernão Cardim.

Enquanto, em Goiás, o Visitador conhecido mais simplesmente como Alexandre (o padre Alexandre Marqueza do Valle) decidia tudo sem ouvir ninguém.

Quando veio ao “Estado do Brazil” (Bahia) o já referido Visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendonça instalou-se, na sociedade local, um clima de angústia e pavor. Ao longo dessa visitação muitos dos habitantes, em sua maioria cristãos-novos, foram denunciados ou confessaram seus pecados. E acabaram sofrendo penas duras.

Às casas de morada desse Visitador chegou inclusive, para se autodenunciar, Bartolomeu Fragoso, primeiro poeta do Brasil. Ele, e não Bento Teixeira com sua Prosopopeia, como consta (até agora) em nossos livros de história. Com a intenção de ter os benefícios indicados nos Éditos, por estar “dentro do Tempo da Graça” ? o prazo de um mês posterior à chegada do Visitador do Santo Ofício, como vimos. “E por dizer que queria confessar sua culpa, recebeu o juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão direita, sob cargo de prometer confessar a verdade”.

A Bartolomeu “foi logo perguntado pela doutrina cristã e disse o credo e o padre nosso”. Ali, “fez confissão inteira e verdadeira, mas antes negou e calou, as ditas blasfêmias com certeza, mantendo, ainda, sua palavra, mas não disse quando blasfemou”. Já como réu, acabou sofrendo penas, segundo os códigos da época em razão de serem “as denúncias que sofreu provas suficientes de incidir no crime de heresia”. E, condenado ao exílio, nunca mais se ouviu falar dele.

A Inquisição, pouco a pouco, ganhou autonomia em nossas terras. Denúncias eram enviadas, pelos missionários jesuítas, diretamente ao Tribunal de Lisboa; e depois de analisadas retornavam para, fosse o caso, a expedição dos correspondentes mandatos de encarceramento. O que ocorreu só poucas vezes. Que as mais importantes e numerosas prisões continuaram sendo feitas por Visitadores, membros do clero locais, comissários e seus familiares, sem nenhum critério ou limite, ausentes quaisquer determinações de além-mar. Em decisões individuais (monocráticas, hoje se diria), sem ser possível qualquer revisão. E, nos casos todos, com a generosa complacência da Coroa.

Em Pernambuco, estima-se (não há documentos oficiais, para atestar os números exatos) terem ocorrido cerca de 700 denúncias e 200 prisões. Em tudo se revelando não apenas o poder sem limites do Inquisidor, como também de seus mandados, os visitadores.

Essas perseguições perduraram até quando chegou ao poder o secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, depois secretário do Reino (correspondente a um primeiro-ministro), Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal.

Foi ele quem aboliu a escravatura, em 1761 (mas só no Portugal continental, sem se estender ao Brasil e outros domínios portugueses). E impôs, em 1774, o Estatuto do Tribunal da Coroa ? suprimindo processos sigilosos, torturas, excomunhão com uma única testemunha, bem como a inabilitação dos condenados, não mais se devendo fazer distinções entre cristãos-velhos (tradicionais famílias da terra) e cristãos-novos (como eram conhecidos os judeus). Passando o Santo Ofício, a partir de então, a ser considerado apenas como um tribunal régio e nada mais. Afinal extinto, em 1821, às vésperas da Independência do Brasil.

Um olhar sereno sobre esse tempo vai permitir avaliar se tanto ódio, “o mais longo dos prazeres” segundo Byron (Don Juan); violência, um “fogo que se consome depressa” segundo Shakespeare (Ricardo II); e nenhuma disposição para perdoar, mesmo sabendo que “perdoar o vencido é o triunfo da vitória”, segundo Lope de Vega (O piedoso aragonês), fez bem a Portugal e ao Brasil. Por se sentir, nos dias que correm, ser grande a tentação dos atuais usuários do poder em reproduzir esse passado infausto.

Os inquisidores do passado, mesmo aqueles elogiados ou endeusados por alguns de seus pares na época, estão nos livros atuais em meio a duras críticas, reprimendas e maldições. E estamos todos (muito) curiosos para ver como serão lembrados esses de hoje, no futuro. Porque, na lição do padre António Vieira (Sermões), “Quem faz mal, foge da luz, e não quer que o vejam”.

Encareço vênia para encerrar esse texto, triste, com uma visão otimista. Lembrando os Evangelhos. Quando ensinam que “não há mal que dure para sempre” (Apocalipse 21.4.27), “nem noite que nunca se acabe” (Salmos 30.5). Bom não esquecer disso, leitor amigo. Tudo passa. Homens bons, gestos generosos, virtudes, tudo passa. Mas também poderosos, a maldade humana, os sentimentos mais vis, tudo passa. Podem confiar.


ARMANDO. Ontem (11/09) o dr. Armando Monteiro Filho, pai de Maria Lectícia, estaria fazendo 100 anos. A data foi comemorada com missa na Madre de Deus. Uma homenagem merecida, por todos os seus méritos. Dado ser uma pessoa generosa, doce e convergente sempre, nas mais variadas situações. E reto no proceder. Não apenas grande empresário, provou também dr. Armando que é possível ser homem público sem ocupar cargos públicos (mesmo tendo sido secretário de Viação e Obras Públicas em Pernambuco, Deputado Federal e ministro da Agricultura de João Goulart, quando apresentou projeto de avançada Reforma Agrária). E mostrou que ainda se pode atuar nesse campo, aqui no Brasil, com ética. Por mais raro que seja, nos dias de hoje. Um exemplo a ser copiado. Para sempre seja louvado, pois.  Saudades dele.

A magia dos Aflitos. Por CLAUDEMIR GOMES

  Por CLAUDEMIR GOMES  –  Em 1994, quando o Brasil se classificou na fase de grupos, na Copa dos Estados Unidos, o %u201Cvelho%u201D Mário Jorge Lobo Zagallo, referência de dedicação e amor a Seleção Brasileira, colecionador de títulos como jogador e técnico, deu início a uma contagem regressiva como se fosse um visionário que tinha a certeza da conquista do tetra. O Brasil foi somando vitórias, e a cada etapa vencida as atenções se voltavam para aquele que sentia o cheiro do título: “Faltam 4, faltam 3, faltam 2…”. E a contagem virou amuleto da sorte. Quando o tetra chegou, até Pelé chorou.

Quando o Náutico estreou com vitória – 1×0 – sobre o Brusque, no quadrangular que irá definir os clubes que terão acesso a Série B, no próximo ano, eu disse cá com meus botões: “faltam duas!”. Não me perdi em cálculos, tampouco me concentrei em jogo de mutações. A conta foi simples e exata como manda a matemática, e o resultado não é outro: se fechar os jogos de ida com 9 pontos ganhos, fatalmente o acesso estará nas mãos.

Meu otimismo é alimentado por um detalhe que faz toda a diferença: os próximos jogos, contra Guarani e Ponte Preta, respectivamente, serão nos Aflitos. Sei que irão aparecer os céticos, com espírito de porto e boca de praga, para lembrar a fatídica “Batalha dos Aflitos”. Nada como um banho de sal grosso e uma limpeza com defumadores, receita infalível, da qual o mestre Davi Ferreira – Duque – não abria mão durante a campanha do inigualável hexa. Hélio dos Anjos sabe que, nessas horas vale se precaver fechando portas e abrindo caminhos.

Conheço os Aflitos desde o final dos anos 60. A época, o Náutico recrutou vários jovens jogadores do Santa Cruz de Carpina: Lula, Zé Leite, Jairo, Wilson, Edvaldo, para reforçar sua equipe juvenil, treinada pelo técnico Cido. Todos eram meus amigos, estudamos juntos, no Salesiano. A concentração dos juvenis era sob o setor de cadeiras no estádio alvirrubro, do qual passei a ser frequentador assíduo. Tive até o privilégio de tomar a sopa do Pusca, pois os juvenis também faziam as refeições na concentração dos profissionais, na Rua Santo Elias.

A partir de 1975 passei a frequentar os Aflitos como repórter. Foi quando descobri que a magia dos Aflitos não estava naquele corpo de ferro e cimento, e sim, na alma dos alvirrubros.

E ficou a lembrança dos primeiros amigos que o futebol me ofertou: Warlindo, Lulinha, Tico, Anchieta, Pintado, Eloi… Não tem como esquecer a laranja, o cachorro-quente, o raspa-raspa, tudo com sobrenome. Os gritos de Zequinha seguem ecoando nos nossos ouvidos. A imortal Lia, que repassava o carinho de mãe para todos os jogadores. Seu Edigar Campos, o carioca que trabalhou nos três clubes do Recife, mas que adotou o Náutico como “meu”. Citar o monte de jogadores que se tornaram amigos é tarefa quase impossível.

Quando o “pajé” Eládio de Barros chegava aos Aflitos parecia o papa quando caminha para missa dominical no Vaticano. O grande Wilson Campos com sua cabeleira branca e reluzente, o carismático Sebastião Orlando, João de Deus Ribeiro, Américo Pereira, Cauby Urquiza, Eduardo Loyo, Antônio Amante, Josemir Correia, João Guerra, Fred Oliveira, André Campos, Ricardo Valois, Sérgio Aquino, Paulo Wanderley…

Os Aflitos tem corpo e alma! Mas acima de tudo, tem uma energia irradiante que emana de um amor incondicional. Quando o estádio está cheio, a conexão que se forma entre jogadores e torcedores leva qualquer adversário a tremer nas bases. Sempre foi assim. E assim sempre será.

Para entender tudo que falei é preciso ter testemunhado a entrada da charanga com o trombone de vara solando o frevo Come e Dorme. Era de arrepiar!

Bom! Minhas contas sugerem que faltam duas vitórias.

Dá-lhe Náutico!

Choque de Realidade. Por CLAUDEMIR GOMES

 Por CLAUDEMIR GOMES  –  A derrota – 1×0 – da Seleção Brasileira para a modesta Seleção da Bolívia, no fechamento das Eliminatórias Sul-americanas para o Mundial de 2026, foi uma autêntica ópera bufa, para o bom entendimento do técnico Carlos Ancelotti, o italiano que chegou com a missão de levar o elenco a realizar grandes exibições, mas sequer nos brindou com uma opereta.

Não vamos creditar ao novo treinador o conjunto da obra. Afinal, ele é apenas uma peça tampão colocada com o intuito de não deixar tudo escoar pelo ralo. É importante ressaltar que, durante as Eliminatórias o Brasil utilizou três treinadores: Fernando Diniz, Dorival Jr. e Carlos Ancelotti. As inúmeras mudanças não ficaram restritas ao elenco de jogadores e comissão técnica. A direção do “teatro” também mudou. Mas tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.

Acompanhei a Seleção Brasileira em várias edições de Eliminatórias. Jogar na Bolívia sempre foi o desafio em virtude da altitude. Desumano ou não, o fato é que FIFA segue programando jogos para lá. Convenhamos: a derrota – 1×0 – da Seleção Brasileira não foi por conta do ar rarefeito, foi produto de um time que entrou em campo já com uma formação equivocada. E os estranhos “estrangeiros” não renderam nada.

Ancelotti dirigiu o Brasil em quatro jogos nas eliminatórias: Duas vitórias, um empate e uma derrota. Nenhuma apresentação convincente. Iniciou o trabalho tentando ajustar o setor defensivo que, sob seu comando não sofreu nenhum gol com a bola rolando – o gol da Bolívia foi de pênalti – e não pôde contar com algumas peças consideradas pontos de desequilíbrio.

Por certo, a maioria dos jogadores que atuaram neste confronto no fechamento das Eliminatórias, não farão parte do grupo selecionado para disputar a Copa de 2026. Menos mal!

Os números atestam nossa pequinês. Na primeira Eliminatória do Século XXI, visando o Mundial 2002, o Brasil somou 30 pontos; contabilizou 9 vitórias, 3 empates e 6 derrotas. Classificou em 3º lugar. Com um trio de craques – Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho – todos agraciados com o prêmio de Melhor do Mundo, em diferentes temporadas, a conquista do penta foi um tributo ao talento.

A Seleção Brasileira foi a primeira colocada nas Eliminatórias de 2006, 2010, 2018 e 2022, sendo que, na última não sofreu nenhuma derrota, tendo contabilizado 14 vitórias e 3 empates, que lhes levaram a somar 45 pontos.

O Brasil encerra sua caminhada para ir ao segundo Mundial dos Estados Unidos com 28 pontos, dez atrás do líder Argentina; atrás do Equador e igualado com Colômbia, Uruguai e Paraguai.

Espero que o choque de realidade tenho aberto os olhos do técnico Carlos Ancelotti. Afinal, o grupo de jogadores que têm convocado está mais preocupado em exibir novos penteados do que apresentar um bom futebol. Esse hábito vem desde os seus antecessores, mas ninguém conseguiu dar jeito. A turma do penta deixou claro que, é dos carecas que a bola gosta mais.

O técnico Carlos Ancelotti dará sequência ao seu trabalho em busca de um maior conhecimento sobre o insumo do futebol brasileiro. Se imaginou que ele teria um trabalho enorme para encontrar a cereja do bolo, mas pelo visto, a dificuldade será mais ampla. Não vai ser fácil fazer um bolo que venha conquistar prêmio com ingredientes de qualidade duvidosa.

É mestre!

Reger concerto da sinfônica do Real Madri no Bernabeu é bem diferente do que se apresentar com a fanfarra brasileira na altitude de El Alto, na Bolívia.