Mais que palavras: Uma Charge de Carinho para Hildebrando Marques

  Depois da homenagem que publicamos em artigo no Blog do Flávio Chaves e no Jornal Gazeta Pernambucana, sentimos que ainda faltava algo. Faltava uma imagem, uma memória desenhada que pudesse eternizar, de forma leve e poética, a chegada de Hildebrando Marques ao céu.

Por isso, com todo o nosso carinho, produzimos esta charge especial. Uma representação afetiva e simbólica do nosso amigo, chegando ao portão celestial com sua inseparável sanfona, sendo recebido por São Pedro e por toda a turma de Carpina que partiu antes. Uma festa, como tantas que ele animou aqui na Terra.

Porque Hildebrando não foi só voz, música e comunicação. Foi presença. Foi amizade. Foi história viva.

Esta charge é um retrato do que ele sempre foi: alegria, generosidade e emoção. Um homem que, mesmo partindo, continua nos arrancando emoção e nos enchendo de lembranças boas.

Fica aqui, com todo o respeito e com toda a saudade, o nosso tributo visual. Que ele receba, lá de cima, esse gesto simples, mas carregado de afeto.

A saudade é nossa. A festa agora é lá em cima.

Hildebrando Marques: A voz, a serenata e a memória viva de Carpina. Por Flávio Chaves

    Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  –   Recebi hoje uma notícia que me atravessou a alma. Uma daquelas notícias que o tempo tenta adiar, mas que a vida, em sua lei implacável, um dia traz: faleceu Hildebrando Marques. Um infarto fulminante, como se o coração grande que ele sempre teve não coubesse mais dentro de si. E foi assim, num instante, que Carpina perdeu um de seus filhos mais queridos, e a nossa história local, um de seus mais luminosos capítulos.

Hildebrando não foi apenas um nome. Foi um acontecimento. Um daqueles personagens que parecem nascer com o destino traçado de deixar marcas por onde passam. Músico, radialista, repórter, blogueiro, apresentador de auditório, homem de microfone, de palco e de calçada. Um polivalente da comunicação e da cultura popular, um verdadeiro arauto das madrugadas e das serenatas que emocionaram gerações inteiras. Quantos corações adolescentes, quantos primeiros amores, quantas juras de eternidade ecoaram ao som de sua voz, embalada pelas canções que atravessavam as ruas silenciosas de Carpina nas noites enluaradas.

A saudade que agora nos visita é daquelas que chega com cheiro de jasmin e com a memória dos bailes no Clube Lenhadores. Os jovens casais se preparavam como quem se prepara para uma grande travessia. Cada dança era uma promessa, cada olhar um futuro sonhado. E Hildebrando, com sua arte e sua entrega, era o maestro invisível dessas emoções. Não há como esquecer.

Mas sua grandeza não foi feita apenas de acordes e microfones. Foi feita de humanidade. De gestos de amizade. De presenças generosas. Lembro com clareza — e com o coração tocado — do tempo em que eu apresentava, ao lado de José Alfredo, o programa cultural Palanque Armado, nas décadas de 70 e 80. Era um tempo de sonhos e de resistência cultural. E foi Hildebrando quem se aproximou, quem nos estendeu a mão, quem se colocou ao nosso lado com solidariedade e apoio incondicional. Seu compromisso com a cultura da nossa terra sempre foi maior do que qualquer vaidade pessoal. Ele era, antes de tudo, um servidor da memória coletiva.

Mais recentemente, quando decidi lançar em Carpina meu livro de poesia, O Guardador de Crepúsculo, foi novamente Hildebrando quem acolheu o projeto com o entusiasmo de quem abraça um irmão. Abriu espaços, mobilizou corações, convocou amigos e fez daquele momento um reencontro com minhas raízes. Aquele gesto foi mais do que uma cortesia — foi uma declaração de afeto e reconhecimento.

A morte, como escreveu Guimarães Rosa, “não é o contrário da vida, mas uma parte dela”. E hoje, diante da partida de Hildebrando, percebo com mais nitidez o quanto ele permanece entre nós. Porque há pessoas que, mesmo ausentes fisicamente, seguem existindo em cada canto da cidade, em cada música tocada, em cada história recontada na mesa de um bar ou numa conversa entre amigos.

Khalil Gibran nos lembrou certa vez que “quando estiverdes tristes, olhai de novo em vosso coração, e vereis que estais chorando por aquilo que vos foi alegria”. E é exatamente isso que sinto. A tristeza que me habita hoje é irmã gêmea da gratidão por tudo o que Hildebrando representou para mim e para Carpina.

Foi criança órfã de mãe aos 8 anos, caminhou na vida ao lado do senhor João Marques, seu pai. E mesmo com as dores que a existência lhe impôs, soube fazer da vida um palco de alegrias e encontros. Quem o conheceu sabe: Hildebrando foi um homem digno, um amigo de todas as horas, um construtor de afetos.

Aos que ficam, cabe o dever da memória. Como dizia Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.” E Hildebrando tinha uma alma grande, generosa, inesquecível.

Hoje, enquanto escrevo estas linhas, me pergunto quantas madrugadas ainda ecoarão com as lembranças das suas serenatas. Quantos jovens, daqui a alguns anos, ouvirão falar de um homem que cantava para a cidade adormecida, que vibrava nos microfones, que narrava a vida com a paixão de um verdadeiro filho da terra.

Que Deus o receba com a mesma música e o mesmo carinho com que ele embalou tanta gente por aqui. A nós, resta o silêncio reverente, a saudade profunda e a missão de contar, quantas vezes forem necessárias, quem foi Hildebrando Marques.

E quem foi? Um homem. Um amigo. Uma história inteira em forma de gente.

Cintilografia do miocárdio. Por José Paulo Cavalcanti Filho

    Por José Paulo Cavalcanti Filho  –  Escritor, poeta, membro das Academias Pernambucana de Letras, Brasileira de Letras e Portuguesa de Letras. É  um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade   –  Cláudio Manuel, filho do grande José Cláudio (os dois pintores), é mais conhecido como Mané Tatú. Um apelido que vem desde os tempos em que podia pegar o bicho do mato, e comer, sem cometer crime inafiançável. Foi fazer esse exame, Cintilografia do Miocárdio, para “avaliar o fluxo sanguíneo nos vasos e artérias que irrigam o coração”, e contou como foi.

Lembro de outro amigo querido, João Ubaldo Ribeiro, autor de Viva o Povo Brasileiro e cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras. Estávamos todos em Ipanema, grupo grande (Millôr e companhia), almoçando na cobertura de Eliene e Chico Caruso – gênio desenhista, da Globo. Foi a pessoa mais engraçada que conheci. E decidiu contar um exame na próstata que fez. Levantou e passou mais de uma hora explicando. O exame de Mané Tatú lembrou as agonias do João Ubaldo. Como escreveu tudo e me mandou vou dividir aqui, com os leitores, a narrativa dessa experiência.

“Foi como a maratona. Dei entrada na recepção. Uma amiga ficou nas cadeiras, depois chegou junto. Acompanhamento até pagar, de 1.900 por 1.805. Moça simpática, Cintia, colocou a pulseira para identificar pacientes em atendimento. Entramos nós três na área das salas e cadeiras e máquinas. Alaska é mais quente. Conferir nome, data nascimento, etc., pulseira.

“A amiga foi convidada a sair por causa das radiações. Ficou vindo me ver, de vez em quando, não sei como deixaram. Foi bom porque o celular fica sem sinal. Alex, o enfermeiro, me levou para colocar bata nua. Uma coisa ridícula. Depois colocar o acesso, foi dor demais, errou, veia estourou, tapei os olhos, sangue. Eu disse porra, puta que o pariu, tá doendo caralho. Tirou. Ele disse abra o olho só quando eu terminar. Tentou outra veia e, milagre, acertou. Finalmente limpou tudo, entrada na mão direita. Aplicou soro gelado. Aplicou contraste. Dez voltas no recinto, para espalhar a droga. Fui pra sala de espera, etapa A.

“Tomar três copos d’água. Uma hora de espera. Sala com seis adultos mulheres e homens, todos de bata. Todos igualmente com acessos. Das 13:00 às 16:00 h. Chamados sra. Fulana, sr. Beltrano, e assim a fila andava. Seu Cláudio. Fui lá. Banheiro, xixi. Medo. Nervoso. Primeira vez na xscam. Deitado. Imóvel. Não pode respirar fundo. Não pode tossir. Não pode mexer. Vai começar. Eu disse pare, quero tossir. Vai começar.

“Começou. Fique imóvel por 12 minutos. Pode fechar o olho. Mas não durma. Demora anos, esses 12 minutos. Terminou. Me ajuda a levantar. Sala de espera, uma hora.

“Seu Claudio, segunda etapa. Esteira com fios e contraste. Sem bata. Chega o médico, Dr. Eduardo Paixão. Olá, boa tarde, aguenta andar? Sim, pouco. Quando cansar avisa, ok. Eletrodos. Contraste novamente. Começou. Olha pra frente. Segura sem fazer força nas mãos. Tudo bem com o senhor? Sim. Acabou. Vá pra sala de espera.

“Etapa 3. Mais uma hora de espera. Terceira máquina. Deitado. Mais um copo de líquido. Doze minutos imóvel. Terminou. Tira acessos. Pode ir. 16:40hs saímos. A amiga disse que dormiu, acordou, foi lá me ver e tal. Tinha uma senhora de uns 80 anos, bem abusada. Que demora! Que demora! De três em três minutos ela dizia Mônica Brito. Disse que foi operada em Atlanta por dr. Pacífico. Pedi licença para peidar.

“Aí falei, de maneira educada, minha senhora preciso ir lá fora para rezar. Ela não entendeu e disse não pode. Reze dentro da área. Resultado. Fui rezar (digamos assim) quatro horas depois. Que sufoco. Abraços. Mané, como eu previ, teu exame foi normal. Está indo bem. Fique tranquilo. Não estou escondendo nada. Tudo está sendo feito com critérios e cuidados. Para garantir sua segurança, o médico André Valença respondeu”.

Em resumo, nosso Mané sobreviveu. Escapou, talvez seja uma descrição mais adequada. João Ubaldo, faltou dizer, não tinha nada. O exame foi inútil. A humilhação, na dedada que tomou, desnecessária. Com Mané Tatú deu-se algo semelhante. Está em plena forma. Pronto pra outra. Viva Mané!!!  O risco é ter que repetir, qualquer dia desses, acontece.

P.S. No Mercado de Campo de Ourique (de Lisboa, nosso preferido), em meio a cerejas do Fundão e melões Pele-de-Sapo, apareceu agora côco. Alvíssaras. Vendido, aqui, por 14,50 euros o quilo. Maria Lectícia comprou um que tinha cerca 1,1 quilos. Traduzindo, saiu por mais de 100 reais. E a gente reclamando quando, em Boa Viagem, o barraqueiro cobra 2, 3, 5 reais por um… A explicação, para o preço, é que “vem do Brasil”. Deus do céu. Amargo côco.