Para minha mãe, que me ensinou a não me perder da infância. Por Flávio Chaves

“Menino, escreva bonito. Deus também lê.”:  Minha mãe sempre dizia.

 Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  – Há um lugar em mim onde minha mãe ainda mora. Não é apenas lembrança , é uma morada viva, firme e silenciosa. Está assentada entre os gestos que me formaram, os silêncios que me ensinaram e as palavras que me colocaram de pé. Foi ela quem moldou o tempo com as mãos: acendia o dia antes da aurora e o encerrava com uma oração costurada ao nosso cansaço. Sua vida era ofício e oferenda.

Minha mãe foi, e permanece sendo, a substância de minha elaboração. Ela não apenas me deu a infância; ela me ensinou a mantê-la viva dentro de mim. E isso não se aprende nos livros, aprende-se na convivência com alguém que sabe transformar o pouco em abundância e a luta em lição. Ela foi engenheira da esperança, todos os dias subindo montanhas invisíveis, mesmo exausta, com a alma inteira, para construi um mundo sacrossanto que coubesse todos nós. E nunca deixava cair a delicadeza

Ela lia. Lia os meus textos com olhos acesos, como quem escutava minha alma antes mesmo de ouvir minha voz. Lia os livros que eu escrevi com o respeito de quem sabia que o papel guarda muito mais do que tinta: guarda pedaços de vida, de memória, de angústia e amor. Minha mãe lia a mim, e me devolvia com comentários breves, às vezes sorrisos, às vezes silêncio. Mas em tudo havia compreensão. E era isso que me fazia seguir.

Se hoje escrevo com densidade e coração, é porque fui amado com firmeza e ternura. Se busco nas palavras uma forma de permanecer, é porque tive quem me ensinasse que a permanência não está no que brilha, mas no que resiste. Minha mãe me ensinou a escutar o mundo. A escrever com os olhos. A perceber os detalhes invisíveis. E, sobretudo, a nunca me perder da minha infância, aquela parte sagrada que habita o que somos de mais verdadeiro.

Neste domingo anoitecido, sinto que tudo o que faço, escrever, sonhar, insistir, ainda carrega as digitais dela. Ela continua aqui, não no tempo das horas, mas no tempo do afeto. Mora onde mora a palavra, onde mora a pausa, onde mora a lembrança.

Minha mãe foi minha primeira casa.
Hoje, é meu país de origem.
E será, para sempre, o silêncio mais cheio de vida que há em mim.

A crônica domingueira. Por Magno Martins

Por Magno Martins – Jornalista, poeta e escritor  – A crônica de hoje tem o toque das reminiscências, lembranças marcantes de momentos do passado. Tem sabor de nostalgia e o tempero da saudade. Lembranças evocadas por cheiros, músicas e ambientes de infância que ainda povoam a minha mente. Escrevo sorrindo com as minhas traquinagens infantis.

Triunfo: A respiração das nuvens desse meu país chamado Pernambuco; veja vídeo. Por Flávio Chaves

  Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  – Há lugares que não são apenas lugares, mas estados de alma. Triunfo, no coração das serras do Sertão pernambucano, é um desses espaços em que a geografia se curva à poesia e o tempo parece andar de mansinho, com passos de neblina. Quando a névoa escorre dos céus e repousa sobre seus telhados antigos, é como se o próprio céu suspirasse. E nesse suspiro, o mundo todo se cala para ouvir Pernambuco respirando.

Essa cena, eternizada em vídeos e fotografias, mas sobretudo no coração de quem já pisou em suas ladeiras, nos remete àquela frase que tanto circula pelas redes, mas que nasceu da alma do povo: “Pernambuco é meu país.” E essa frase, apesar da simplicidade aparente, carrega a densidade de uma declaração de amor. Não é apenas um slogan regional. É um grito manso, uma bandeira sem tecido, um poema que não precisa ser escrito. Em Triunfo, essa frase não apenas ecoa, ela se materializa. Ganha corpo, forma, sopro e bruma. Torna-se paisagem.

Ali, do alto de seus mirantes, com o som distante do sino da matriz rompendo o silêncio, o mundo parece se encolher. As distâncias diminuem, os ruídos modernos se afastam, e o que se agiganta diante dos olhos é o sentimento. Pernambuco, naquele instante, não se impõe por força, nem por grandeza geopolítica, mas pela altivez de sua beleza escondida, quase secreta. Triunfo, envolta em brumas, é um altar erguido às tradições, à memória e à identidade nordestina em sua forma mais plena, mais sutil, mais sagrada.

Quando a névoa desce sobre a cidade, lenta e silenciosa, o Sertão se disfarça de Europa, mas sem jamais trair sua essência. É como se o chão seco do Nordeste vestisse um casaco de inverno, só para nos surpreender. A paisagem revela um diálogo improvável: o frio europeu e o calor de resistência do povo sertanejo se encontram. E o resultado não é contraste, é composição. É poesia. Uma poesia que não se escreve com palavras, mas com neblina, pedras antigas, silêncio e cheiro de café coado na varanda.

Em cada sombra projetada pelo casario colonial, em cada raio de luz filtrado pelas nuvens que dançam entre os morros, uma verdade se repete como se fosse um segredo sussurrado ao ouvido: aqui pulsa um país dentro do país. Um país que não precisa de fronteiras, porque está desenhado no peito de quem o ama.

Que esta imagem que nos comove seja mais que contemplação. Que ela seja convite. Convocação amorosa. Chamado silencioso a todos que nasceram ou escolheram Pernambuco como sua pátria íntima. Que o amor por esta terra não se limite ao orgulho momentâneo, mas se converta em cuidado, em zelo, em presença. Que olhemos com o mesmo encanto para as suas cidades esquecidas, para seus artistas anônimos, para seus rios adoecidos e seus saberes ameaçados. Que amemos Pernambuco inteiro, dos mares às serras, das festas populares ao silêncio dos seus vales.

Triunfo é só uma das formas que Pernambuco escolheu para sussurrar sua eternidade. Mas basta essa cena — a respiração lenta das nuvens sobre a cidade suspensa — para compreender que amá-lo é um gesto que nos humaniza. E que dizer “Pernambuco é meu país” é mais que exaltação regional. É um ato de fidelidade à beleza que nos constitui.

Veja o vídeo: