Lila Azam: a literatura entre o prazer e o gozo

(Foto de Walter Craveiro / Divulgação)

As situações de prazer que a literatura é capaz de provocar foram o tema da mesa “O prazer do texto”, que recebeu a franco-iraniana Lila Azam Zanganeh, autora do livro O Encantador – Nabokov e a Felicidade (tradução de José Luiz Passos, Alfaguara, 296 páginas, 42,90 reais), e o antropólogo e compositor Francisco Bosco, filho de João Bosco. Mediada pelo jornalista Cassiano Elek Machado, a dupla debateu as diferentes formas de receber e criar um texto, tendo como inspirações para a discussão duas de suas paixões: Vladimir Nabokov, no caso de Lila, e Roland Barthes, no de Bosco.

 

O antropólogo deu início à mesa explicando como o filósofo francês enxergava as reações que um texto poderia causar. “O prazer de um texto vem junto com o reconhecimento das representações do mundo como a gente já conhece. Já o gozo vem de uma destruição, um desconforto, coloca em xeque as formas habituais. O gozo pertence ao campo da compulsão, da mistura de prazer e dor.”

Para Lila, leitora ávida do russo Nabokov, o texto, além de ser provocador de uma compulsão, está ligado ao encantamento, ponto muito bem retratado na obra do escritor. “Nabokov achava que os romances mais importantes eram os contos de fada e via obras de Marcel Proust e James Joyce como contos de fada, como uma literatura verdadeira que constrói universos únicos como passe de mágica”, disse. “Ele fala de arte e beleza, de por que a literatura e a beleza importam.”

Ao mesmo tempo, lembra a escritora, a felicidade que Nabokov prega nos seus livros é um pouco “estranha”, como ela mesma disse, em português, língua que está aprendendo. “Ele conseguiu escrever uma das mais importantes histórias de amor com duas transgressões: o incesto e a pedofilia”, disse sobre Lolita, o romance em que um homem de 36 anos se relaciona com uma menina de 12.

O prazer da escrita – Para Bosco, o prazer que vem da atividade de escrever é de natureza mais complexa. “A escrita faz com que a gente saia do campo do nosso eu e use nosso potencial de passar ao que não somos. A literatura sempre interessa tudo o que a subjetividade não é ainda.”

Lila lembra que um dos momentos mais prazerosos de escrever O Encantador foi quando reproduziu uma falsa entrevista que ela teria feito com Nabokov. “Foi um livro escrito com muitas mentiras. Sonhei com Nabokov muitas vezes e decidi escrever sobre ele, não só sonhar. Quando o filho de Nabokov, Dmitri, ouviu esse trecho, achou que as falas realmente se pareciam com algo que seu pai diria. Precisamos de irreverência. Tentei procurar a sua voz na minha voz.”

Parte dessa irreverência está na própria escolha do tema que Lila abordaria em seu livro. Alguns editores chegaram a sugerir que ela escrevesse sobre suas origens, já que elas nasceu em Paris de pais iranianos, certos de que seria um sucesso de vendas. “As pessoas me perguntavam por que eu não escrevia algo sobre mim mesma. Mas eu queria um livro autêntico que falasse de imaginação, de ficção, de por que precisamos de histórias”, disse.

fonte:Veja