Por Vitor Hugo Soares
Mais que nunca, no Brasil, se fazem comparações. Desde a campanha eleitoral em que Dilma bateu Aécio. Por um triz, repita-se para não esquecer.
Aclamado nos anos 80 como uma das mais belas e completas realizações cinematográficas sobre a infância, a produção sueca Minha Vida de Cachorro tem sido, ao longo de décadas – ao lado de Morte em Veneza, de Visconti – meu filme de cabeceira preferido. As incríveis comparações do garoto Ingemar (sobre a vida, o destino das pessoas e das coisas, a amizade, a morte, o futebol e a política) são referências permanente para mim. Antes e agora.
Tem sido assim desde a primeira vez que vi o filme de Lasse Hallström. Se não me engano, em uma sessão vespertina no Cine Tamoio, quando já chefiava a redação da sucursal do Jornal do Brasil na Bahia. Uma escapada rápida do trabalho, remédio eficaz (melhor que a geladeira recomendada pelo gaúcho Leonel Brizola para a cabeça e para o espírito), simples e barato na época.
Bastava descer de elevador do décimo andar do Edifício Bráulio Xavier (Rua Chile), atravessar a rua Rui Barbosa, e entrar na sala do cinema quase colado com a redação de A Tarde, onde trabalhara antes e iniciei esse tipo de “terapia”.
Dei para pensar de novo no filme e nas comparações de Ingemar há duas semanas, quando de volta de rápida viagem por cima e ao pé da majestosa e magnética Cordilheira dos Andes, no Chile. Roteiro sentimental e intelectual aprendido também, há décadas, nas poesias antológicas e no livro de memórias “Confesso que Vivi”, de Pablo Neruda.
Na passagem de menos de uma semana comparei, vi e senti o poeta ainda muito presente não só em “La Chascona” (residência de Neruda, em Santiago transformada há anos em um dos mais visitados museus e centros culturais da América Latina), mas também em cada rua, praça e mercado público (o Central principalmente) da capital chilena.
Que a Bahia faça o mesmo com Jorge Amado enquanto é tempo, principalmente depois que, esta semana, a família do autor de “Tenda dos Milagres” e a prefeitura de Salvador transformaram a famosa Casa do Rio Vermelho (residência de Jorge e Zélia Gattai na Cidade da Bahia) em esplêndido museu e espaço aberto e entregue à visitação pública. Para baianos e visitantes do País e do mundo inteiro. É preciso comparar.
Mais que nunca, no Brasil, se fazem comparações. Desde a campanha eleitoral em que Dilma bateu Aécio. Por um triz, repita-se para não esquecer.
Impossível não lembrar do garoto de Minha Vida de Cachorro comparando seu destino e suas amarguras existenciais com aquele campeão de salto de motocicleta sobre automóveis enfileirados em uma pista. Tentou saltar sobre 22 carros e se espatifou ao cair em cima do último da fila.
-Se ele tivesse feito por menos um, ainda estaria vivo, reflete Ingemar no filme.
Na capital chilena, de volta ao País, parei em um quiosque do moderno e funcional aeroporto internacional de Santiago (quanta diferença desde a primeira visita, logo depois da queda do ditador Pinochet!) para comprar a alentada edição dominical do jornal El Mercúrio.
Compra efetuada sob veementes protestos de Margarida (minha mulher e também jornalista), contrária à antiga mania de carregar pesados jornais impressos na bagagem. Isso já havia resultado em um mico sem tamanho e multa dolorosa ao bolso por excesso de peso no aeroporto de Barajas, em Madri.
Felizmente ela não lembrou que o El Mercúrio é até hoje o diário acusado de ter ajudado e participado ativamente do golpe sangrento que derrubou e matou o presidente socialista Salvador Allende, eleito democraticamente, substituído pelo ditador Augusto Pinochet, o mais perverso e sinistro governante da história da nação chilena, de novo florescente. Se ela tivesse lembrado na hora do episódio e comparado as situações, seguramente teria sido muito pior.
O El Mercúrio carregado nas mãos traz como uma de suas principais manchetes de política internacional uma reportagem sobre o início da transição entre os governos de Dilma. Título: “El dicionário Del segundo mandato de Dilma”. Página inteira, de A a Z. Vai do A, de Aloízio Mercadante ao Z, de Zé Dirceu. Passando pelo Y do doleiro Yousseff, o P da Petrobras, o L de Lula e o W, de Wagner (Jaques), o disputado coringa de qualquer jogo, governador da Bahia até janeiro deste ano. Depois é incógnita.
Tão grande quanto a carta de Marta Suplicy, caindo fora no Ministério da Cultura e voltando ao Senado. Marta não consta do dicionário do El Mercurio, que é substancioso no texto e informações do repórter Jean Palou Eguaguirre e pede mais espaço em outro artigo, semana que vem. Talvez.
Minha vida de cachorro, direção Lasse Hallström (Imagem: Divulgação)
