//#OCUPEESTELITA:REFRESCANDO A MEMÓRIA

O Despreparo e Destempero de João da Costa

Prefeito do Recife mostra, em entrevista ao Diário,  por que não tem condições de conduzir a avaliação do Projeto Novo Recife e, consequentemente, por que a votação deveria, pelo menos, ser adiada para a próxima gestão.
Segue abaixo a entrevista, feita por Aline Moura, em itálico e os comentários em tipo normal

João da Costa diz que Novo Recife é apenas o lote de um projeto

Publicação: 28/11/2012 18:21 Atualização: 28/11/2012 19:30

O prefeito do Recife, João da Costa, defendeu, hoje (28), o projeto Novo Recife, que prevê a reformulação do Cais José Estelita e inclui a construção de 13 torres.

Prefeito, o projeto do Novo Recife vai ser aprovado na sexta-feira com tanta polêmica?
Não tem polêmica. O conselho técnico da Dircon já analisou e o Iphan já deu todas as autorizações. Qualquer construção no Recife depende do Iphan. Isso não sou eu que analiso, são os técnicos, de acordo com a legislação em vigor.

“Qualquer construção no Recife depende do Iphan.” – O IPHAN cuida do Patrimonio Histórico-Cultural a nível federal! Mas é bom saber dessa declaração do prefeito: tem uma construção aqui na esquina da minha rua que desconfio que não tem parecer do IPHAN. Pode mandar parar?

Mas, fora essa incrível amostra de ignorância, ainda está incorreto dizer que a aprovação do Novo Recife só dependia da autorização do IPHAN. Depende também da anuência da ANAC para a construção de um heliporto, da FUNDARPE, da FIDEM e de vários órgãos. No próprio processo entregue pela prefeitura aos conselheiros do CDU, há um ofício de analistas da DIRCON elencando nove pendências que deveriam ser resolvidas antes de se marcar uma reunião como a de sexta.

Mas só houve uma audiência pública para discutir um tema tão importante, de interesse da cidade?
Qualquer tema interessa à cidade. Não é um tema, isso é um lote de um projeto como qualquer outro.

Qualquer tema interessa à cidade” – então por que não discuti-los todos? Se todos os temas interessam à cidade, então não discutimos nenhum?

Não é um tema (…)” – Ah, “qualquer tema interessa à cidade”, mas o Novo Recife, com seu paredão de mais de 100m de altura por 1km de comprimento, mais de cinco mil vagas de garagem, interferência em cartões postais da cidade, proximidade com bens tombados a nível federal e muitos etc. não é um tema. Tudo interessa à cidade, mas isso não. Por que?

(…) isso é um lote de um projeto como qualquer outro” – Ahhhh! Justo o contrário absoluto do que tínhamos dito aqui! Em termos de importância urbanística para o centro da cidade o Cais José Estelita jamais pode ser tomado como o “lote de um projeto como qualquer outro”. Já cansamos de dizer isso aqui: o terreno tem proporções que não se confundem com um terreno qualquer, 10ha, fica no ponto de articulação entre a Zona Sul e o Centro da cidade e é vizinho de uma área do Centro degradada e sub-utilizada (a região da rua Imperial) mas também de outra com intenso uso popular (o entorno do Mercado de São José). O projeto que será feito ali pode determinar uma mudança de rumo no desenvolvimento da cidade, com um Centro vibrante, novamente referência da cidade como um todo, ou pode enterrar essa possibilidade, agravando problemas de mobilidade na ligação com Boa Viagem, isolando ainda mais a área degradada do entorno da rua Imperial e segregando ainda mais ou levando a uma expulsão branca dos usuários populares do bairro de São José. Só alguém completamente cego para a cidade, suas possibilidades e suas fragilidades, e surdo a um debate que vem sendo feito desde 1920, quando o engenheiro Domingos Ferreira fez um plano urbanístico para aquela área (obg, Amelia Reynaldo!), vai dizer a completa estupidez de que aquele é um terreno qualquer. Não bastasse isso, qualquer empreendimento daquele porte é classificado pela legislação urbanística federal e municipal como um empreendimento de impacto, sujeito a análise especial, mais detalhada e que, mesmo segundo a lei de uso e ocupação do solo de 1996, que é ruim, não tem aprovação automática garantida. A aprovação de empreendimentos de impacto dependem do interesse social neles. Portanto, mesmo se o prefeito quisesse agir como um papagaio legalista, ele não poderia falar a bobagem de que o Cais José Estelita é um “lote como outro qualquer”.

Mas que vai trazer muito impacto no trânsito…
Qualquer projeto que tenha na cidade causa impacto e a gente está exigindo contrapartidas que não estão nem na lei. Por exemplo: ele (o consórcio privado) ficou comprometido de demolir o Viaduto das Cinco Pontas que esconde o museu. No projeto, foram abertas três vias públicas dentro do lote, um deles inclusive fazendo prolongamento da Dantas Barreto com a Avenida Sul. As pessoas, às vezes, não conhecem um detalhe do projeto. Tem três vias abertas e mais duas internas para mobilidade.

“a gente está exigindo contrapartidas que não estão nem na lei” – segundo documento entregue aos conselheiros do CDU, há uma lista de dezessete contrapartidas, por sinal insuficientes, feita em 2010, mas que foram sendo esquecidas no caminho. Outros documentos alertam para isso. E aparentemente  pelo menos uma das contrapartidas originalmente pedidas para tornar o projeto viável foi assumida pela prefeitura: a construção de uma alça no viaduto Capitão Temudo.

“prolongamento da Dantas Barreto com a Avenida Sul.” – Essa é a melhor contrapartida de todas, de todas as obras em andamento no Brasil: ligar duas avenidas que já estão ligadas desde que eu me entendo por gente. Qual será a próxima contrapartida exigida? Colocar água no rio Capibaribe?

“As pessoas, às vezes, não conhecem um detalhe do projeto.” –  Prefeito, as pessoas NÃO PUDERAM conhecer o projeto, porque não houve a menor transparência!  É JUSTO ISSO que se reclama! Falta de transparência e participação popular! Basta isso para o processo todo ter sido ilegal, por contrariar explicitamente o inciso XIII do artigo 2º do Estatuto das Cidades: “audiência do Poder Público Municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população”.  Agora, é mais grave ainda o prefeito não conhecer detalhes do projeto…

Mesmo com isso, são 13 torres?
O que você quer perguntar? Porque qualquer prédio tem impacto. Eu não vou analisar isso achando que não causa impacto. O shopping Rio Mar não causa impacto? Você acha que a gente deveria ser contra? Tem mais impacto no trânsito do que o Rio Mar? Quem é que foi contra? Você é contra? Ninguém me fez essa pergunta. Você já me perguntou cinco vezes, Aline. O Rio Mar causa muito mais impacto. O que é isso? Tem interesses econômicos, urbanísticos, tem gente que é contra, tem gente que é a favor. Tem gente que não gosta.

“O Rio Mar causa muito mais impacto” – e mesmo assim não foi objeto de Estudo de Impacto ambiental e de vizinhança! O trânsito está uma desgraça na região. Uma pessoa já morreu no shopping porque não conseguiu ser levada a um hospital a tempo. Mas a lógica do prefeito é: se já fizemos uma grande besteira (eufemismo), por que reclamar agora? Se já abrimos a perna uma vez, por que fechar agora? Se a prefeitura não teve moral nenhuma diante da iniciativa privada durante quatro anos, por que vai fingir que tem agora?

“Tem interesses econômicos, urbanísticos, tem gente que é contra, tem gente que é a favor. Tem gente que não gosta.” – não é uma questão de gosto, nem simplesmente de que dá para se adotar soluções salomônicas para tudo. Em certos momentos críticos, como o em que Recife vive, com o seu colapso de mobilidade, mero sintoma do colapso da urbanidade, é preciso tomadas de posição firmes, como mostrou o exemplo tão incensado de Enrique Peñalosa em Bogotá. Mas, mesmo assim, assumindo a existência de vários pontos de vista válidos e legítimos sobre a questão, então por que não fazer a danada da discussão pública sobre que cidade queremos? A reposta é porque, apesar desse papo de que há gente de todo tipo pensando de tudo, só um tipo de gente consegue falar no ouvido do prefeito. Há um plano para o futuro da cidade, só não é um plano feito pela cidade.

Não destoa da arquitetura do Recife, não pode criar ilhas de calor, ilhas econômicas?
A aprovação de projetos aqui não pode ter méritos subjetivos. Tem que ter méritos objetivos que é a lei, é isso que a gente analisa, não é gosto. Eu posso não gostar de muita coisa, mas tenho que aprovar se o cara está dentro das regras. Vocês é que ficam tentando fazer uma confusãozinha.

“A aprovação de projetos aqui não pode ter méritos subjetivos. Tem que ter méritos objetivos que é a lei,”  – aqui fecho o problema central das três respostas anteriores. Isso, prefeito, precisa de objetividade, dentro da lei! E isso se consegue com a exigência de elaboração de um Estudo de Impacto de Vizinhança, tal como definido no Estatuto das Cidades (arts.36 e 37) e o Plano Diretor (arts. 187 a 190),  não aquele memorial de impacto seboso, no qual o próprio empreendedor avalia o impacto do seu empreendimento!  Segundo o Plano  (art. 189), o EIV deve conter a análise dos seguintes itens: meio ambiente,  sistema de transportes,  sistema de circulação,  infra-estrutura básica, estrutura sócio-econômica, uso e ocupação do solo,  adensamento populacional,  equipamentos urbanos e comunitários, valorização imobiliária, ventilação e iluminação, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural, definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, bem como daquelas potencializadoras dos impactos positivos,  impactos do empreendimento no sistema de saneamento e abastecimento de água, e  proteção acústica e outros procedimentos que minimizem incômodos da atividade à vizinhança. Além disso, tem que ter ampla divulgação e ser objeto de audiência pública. As medidas para a mitigação ou compensação dos impactos descritos têm força legal, não são um acordo só de boca, como é o costume nessa prefeitura.

Já o Memorial entregue pelo Consórcio Novo Recife, ao contrário disso, além de ser bem mais superficial do que o exigido para um EIV, só foi divulgado porque alguém que teve acesso a ele fez o upload para um servidor de compartilhamento de arquivos na internet, e isso só uma semana antes da reunião decisiva do CDU.

Mas o mais interessante mesmo é que esse Memorial de Impacto é datado de Setembro de 2011, enquanto que a lista oficial de mitigações e contrapartidas exigidas pela prefeitura ao empreendedor data de de 28 de Dezembro de 2010, como mostra o documento na imagem ao lado! Isso significa que a prefeitura fez a lista de exigências para permitir a obra ANTES de saber quais os impactos a obra causaria mesmo pelo instrumento mais mixuruca para avaliar isso. Que tal essa objetividade?

“Vocês é que ficam tentando fazer uma confusãozinha.” – Prefeito, isso se chama participação popular, fiscalização por parte da sociedade, democracia, lembra?  Quando os espaços institucionais para isso estão fechados, gritamos por onde podemos. Mais sobre isso adiante.

O prefeito eleito, Geraldo Julio, tem conversado com o senhor sobre isso?
Ele não tem conversado comigo sobre as ações do meu governo. Ele tem conversado sobre as informações. E eu tenho repassado tudo. Mas, porque, particularmente, você é contra ou a favor do projeto.

A bomba vai estourar no governo dele. No plano de governo do prefeito eleito havia a declaração da necessidade de reforçar os espaços públicos e uma preocupação com a revitalização do Centro do Recife. Mas a realização desse projeto vai reduzir drasticamente o espaço de manobra para qualquer intervenção decente naquela área da cidade e pode aumentar a já enorme lista de problemas urbanos que o futuro prefeito terá que resolver. Se eu fosse ele, ficaria mais preocupado…

Sete mil pessoas estão discutindo isso no Facebook.
Mas a cidade tem um milhão e meio de pessoas. A gente tem que escutar as sete mil, mas tem que levar em conta os interesses de um milhão e meio, os empregos que vão ser gerados, o desenvolvimento urbano de uma área. Vocês acham bonito aquilo ali? Eu acho estranho.

“mas tem que levar em conta os interesses de um milhão e meio” –  de um milhão e meio de pessoas ou da meia dúzia que gerenciam as empresas que financiam a maior parte dos orçamentos eleitorais e mandam na cidade? Vamos mesmo cair no conto do “o que é bom para a ADEMI, é bom para o povo”? Dá para levar a sério a idéia de que um empreendimento que bloqueia o acesso de boa parte do Centro da Cidade à frente d’água com condomínios fechados de até cinco torres e apartamento avaliados em mais de um milhão de reais atende ao interesse da maioria da população do Recife?

A falácia está no fato de que não existe a alternativa exclusiva, ao contrário do que dizem as frases finais do prefeito, entre fazer esse projeto e não fazer nada. Vários projetos já foram apresentados para a área e, em pelo menos dois dos mais discutidos recentemente, o Recife-Olinda e o resultado do Workshop Nosso Cais, realizado pela UNICAP, o volume construído seria o bastante para deixar as construtoras salivando. A questão não é só bater um número de crescimento do PIB, nem uma meta de empregos gerados não importa o que. Os empregos gerados no RioMar poderiam ter sido gerados no comércio de rua (ou podem estar suprimindo os empregos existentes no comércio da região). Nessa variável pareceria não haver diferença, mas em termos de qualidade da urbanidade há toda diferença do mundo. O que não se pode permitir é que a desculpa de que a incorporação imobiliária gera empregos leve à conclusão de que ela não deve ter amarras e isso acabe criando uma cidade completamente inviável, inclusive economicamente, no futuro. A versão desse argumento aplicado às montadoras de carro já mostrou seu efeito sobre as cidades.

Essas sete mil pessoas se reúnem no Facebook para discutir a cidade (muito mais a fundo do que se discutiu em quatro anos de gestão desse prefeito) porque simplesmente foram eliminados pouco a pouco os espaços de participação popular real na gestão da cidade como um todo. Também porque a própria idéia de planejamento urbano, sistemático e de longo prazo, desapareceu. E porque o contexto político do estado de Pernambuco fez a oposição praticamente desaparecer. Não existe contraditório, não existe confronto de idéias, quebrou-se o sistema de freios e contrapesos que é vital para o bom funcionamento da democracia. Nem mesmo a Justiça se presta a esse papel: foi conivente no caso das Torres Gêmeas e agente da injustiça social no caso da Vila Oliveira. Assim, quem quer fazer algo contra isso, precisa se encontrar, precisa trocar idéias, precisa pensar junto, e é isso, antes de qualquer coisa, que o grupo Direitos Urbanos é. Não achamos que a internet substituirá a discussão pública que falta na cidade do Recife e nem ficamos só na internet. Sexta-feira, por exemplo, se o senhor quiser dar uma passadinha pelo prédio da PCR para uma conversa, talvez o senhor se lembre de como as coisas eram e pare de achar estranho o povo participar da política.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *