“Tudo acaba, leitor; é um velho truísmo, a que se pode acrescentar que nem tudo o que dura, dura muito tempo”, escreveu Machado de Assis em um de seus principais clássicos, “Dom Casmurro”. Mal imaginava o autor que mesmo 115 anos depois da publicação original, suas palavras jamais “acabariam”, durando muito mais tempo do que os castelos de vento de que o personagem-título da obra falava.
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Obras de Machado de Assis estão disponíveis em página na web
Em 2008, o Ministério da Educação solicitou ao Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística (Nupill), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que desenvolvesse um trabalho de digitalização da obra completa do escritor carioca. O resultado pode ser conferido napágina especial em homenagem ao centésimo aniversário da morte do autor, que oferece todos seus trabalhos para download gratuito.
O processo de digitalização, conduzido por Deise Freitas, pesquisadora do Nupill, durou cerca de nove meses, abrangendo todos os romances, contos e publicações avulsas assinadas por Machado de Assis em vida. “A gente começou buscando as edições de referência, que foram as da Comissão Machado de Assis, na Academia Brasileira de Letras; e as da editora Nova Aguilar, que foi como um parâmetro”, esclarece.
“Depois de definir as edições de referência, a gente fez a digitalização. Da digitalização, a gente faz a conversão de imagem em texto, em que podem acontecer muitos erros de leitura da própria máquina. E aí todo o nosso trabalho nesses nove meses foi de revisão exaustiva. Tudo para tentar disponibiliza o material mais fidedigno e completo possível”, continua a pesquisadora.
Uma versão da coleção também está disponível no site do Nupill, em que o catálogo de obras passa por revisões constantes. “Sempre pode passar alguma coisa”, reitera Deise. Ela lembra que todo o conteúdo está disponível gratuitamente para impressão e download, especialmente para estudantes. “É importante também para popularizar a obra do Machado, apesar de ela já ser a mais popular do Brasil.”
Cláudio Caus, professor do curso pré-vestibular da Poli em São Paulo (SP), lembra que Machado de Assis “ajudou a formular a língua portuguesa moderna do Brasil”. “[Digitalizar as obras] é uma maneira de reavaliar constantemente a contribuição do Machado, seja do ponto de vista estilístico quanto do linguístico, pela importância dele como formador de leitores. Ele propõe algumas reflexões filosóficas em suas obras que continuam atuais e pertinentes. É uma maneira de mantê-lo ainda vivo”, afirma.
Segundo Fábio Volpe, editor da revista Guia do Estudante, jovens em preparativos para o vestibular devem valorizar iniciativas como esta. “Na maior parte dos principais vestibulares do Brasil, pelo menos uma obra do Machado de Assis sempre cai na lista de livros obrigatórios. Ele é um autor que, sem dúvida nenhuma, é muito presente na área de língua portuguesa das principais universidades do país”, afirma.
O desenvolvimento da tecnologia, que tem criado gerações cada vez mais conectadas ao mundo digital e, em tese, distantes da literatura clássica brasileira, não foi um obstáculo nesse caso. Volpe acredita que iniciativas como essa demonstram que a internet não é um obstáculo na formação de novos leitores: pelo contrário.
“A questão mais complexa aí é a dificuldade das novas gerações em mergulhar em estilos literários que são muito diferentes do que eles convivem hoje. […] Mas eu acho que isso é principalmente papel das escolas. Se o professor souber utilizar mecanismos para envolver os alunos, criar curiosidade, pelo menos nesse esforço inicial, eu acho que esse problema pode ser superado”, diz o jornalista.
Por fim, Caus conclui que a tecnologia pode ser uma importante aliada no desafio de preservar o interesse pela literatura. “Do jeito como as coisas estão indo, o livro de papel vai se tornar um artigo de nicho, como é o vinil hoje, por exemplo. Manter um autor só no formato de papel acaba afastando esses leitores novos, que praticamente só leem no formato digital. […] Eu acho que tudo isso [evolução da tecnologia] vem para contribuir ainda mais para a disseminação e a manutenção desses autores clássicos. Ouso até dizer que, grande parte dos escritores, se tivessem essa tecnologia à disposição na época, certamente fariam uso dela.”