
Misto entre documentário e ficção, longa de José Eduardo Belmonte reconta a ocupação policial do Complexo do Alemão, no Rio de de Janeiro
A violência, a desconfiança nas instituições, principalmente na polícia, e um apartheid social silencioso, cada vez mais evidente, são temas recorrentes da produção cinematográfica brasileira nas últimas décadas. Cidade de Deus, Ônibus 174 – em suas duas versões –, os dois furacões chamados Tropa de Elite, o premiado Som ao Redor, a série global A Teia e até mesmo o recente Robocop abrasileirado, por exemplo, tratam do que está na boca do povo e, às vezes em forma de protesto, nas ruas das grandes cidades.
Alemão, longa de José Eduardo Belmonte que estreia hoje nos cinemas, faz crescer a lista do nosso “grande tema atual”, como definiu o cineasta de Se Nada Mais Der Certo (2009).
Paprica Fotografia/Divulgação
O filme se passa nas 48 horas que antecederam a supertelevisionada ocupação policial do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em novembro de 2010. Cinco policiais (Caio Blat, Gabriel Braga Nunes, Marcello Melo Jr., Milhem Cortaz e Otávio Muller), comandados pelo delegado Valadares (Antônio Fagundes), estão infiltrados na favela, com o objetivo de elaborar o plano de invasão para a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na comunidade . Pouco antes da ocupação, a identidade dos agentes é descoberta por Playboy (Cauã Reymond), o chefão do tráfico. Em meio à tensão gerada pela expectativa de que as forças de segurança invadirão o morro, os traficantes começam uma caçada para eliminar os policiais, que há meses estão integrados aos moradores.
Alemão, que irá ganhar sequência em 2015, é um híbrido entre documentário e ficção. Há imagens reais da operação, mas a equipe de policiais nunca existiu. “Está tudo meio misturado. O mensalão, por exemplo, parece uma novela”, disse o diretor, na coletiva de imprensa realizada após a exibição do filme. Rodado em apenas 18 dias entre março e abril de 2013, Alemão teve locações em cinco comunidades do Rio de Janeiro. “A recepção foi ótima. Fomos mais respeitados lá do que na zona sul”, afirmou o produtor Rodrigo Teixeira – que também trabalhou em O Cheiro do Ralo (2007) e Frances Ha (2012).
Apesar de violento, o que faz de Alemão um filme distante da estética Tropa de Elite é a humanização de seus personagens. Os policiais não são (e não querem) ser heróis – e todos acabam por revelar suas fraquezas. Os bandidos, tampouco. “Me inspirei em Nem”, disse Cauã Reymond, referindo-se ao traficante da Rocinha que, segundo sua própria versão, entrou para o crime organizado para pagar um tratamento médico para a filha.
Thriller
Depois da descoberta do esconderijo dos policiais – uma pizzaria –, o que era um filme de ação se transforma em um thriller dramático. Entocados e à espera do confronto, as relações entre os policiais se afinam. O amor e a compaixão cavam seu espaço entre saraivadas de tiros; e as mulheres da trama – Aisha Jambo e Mariana Nunes – têm papel fundamental naqueles momentos em que Alemão sugere um western dos morros, no clima de um Rio Bravo suburbano e atualizado. “Sempre tenho medo de parecer pedante quando respondo a isso, mas me inspirei em Kathryn Bigelow [vencedora do Oscar de melhor filme por Guerra ao Terror (2010)] e Os Sete Samurais (1954), clássico cult de Akira Kurosawa”, disse Belmonte.
Referências à parte, o longa, ainda que de produção tímida – o orçamento foi de R$ 5 milhões –, é consistente. A participação de Jefferson Brasil, Marco Sorriso e MC Smith, conhecedores das comunidades, dá naturalidade ao filme. Também vale nota a trilha sonora. Uma peça instrumental criada por músicos da Orquestra Sinfônica de São Paulo, e faixas que se relacionam com o tema de maneira não óbvia, como “Enxugando o Gelo”, de BNegão & Seletores de Frequência, injetam originalidade a Alemão, que apostou nas relações humanas para não virar “mais do mesmo”.
