Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Hoje é 23 de abril, Dia Mundial do Livro. Uma data que não se celebra com fogos nem fanfarras, mas com silêncios profundos, páginas abertas e corações tocados por palavras que atravessam os séculos. Hoje, mais do que nunca, celebramos a existência desse objeto tão simples e, ao mesmo tempo, tão sagrado: o livro — essa morada do infinito.
Em Budapeste, diante da Universidade de Ciências Eötvös Loránd, há uma fonte em forma de livro. De suas páginas abertas brotam jorros de água, como se cada letra, cada parágrafo, cada história fosse feita de nascente e vida. As páginas d’água se movem lentamente, virando-se diante dos olhos dos passantes, como se o tempo se curvasse ao gesto ritual da leitura. A escultura é metáfora perfeita: um livro é, verdadeiramente, uma fonte. Não apenas de conhecimento, mas de sentido, de abrigo e de salvação.
Cada leitor carrega dentro de si um livro que o transformou. Não um título qualquer, mas aquele que mudou sua maneira de ver o mundo. Um livro que escancarou janelas internas, que lhe deu olhos novos — mesmo que os olhos antigos chorassem com o que passaram a enxergar. Ler é despertar. E despertar, às vezes, dói.
Ainda assim, lemos. E amamos os livros com a entrega dos que não desejam apenas sobreviver, mas viver com profundidade. Lemos para entender, para duvidar, para consolar as feridas do mundo e costurar as cicatrizes da alma. Lemos para conversar com os mortos — e também com os vivos que ainda não conhecemos, mas que moram silenciosamente em cada estante.
O livro é um companheiro que não nos abandona quando a vida parece desabar. Ele nos conduz, como uma ponte sobre o abismo. Ele nos escuta sem julgamento. Ele nos mostra que não estamos sozinhos — e que, em meio ao caos, sempre haverá um parágrafo que nos compreende.
Mia Couto, com sua doçura literária, certa vez escreveu: “Cada página é uma caixa infinita de vozes.” Essas vozes, que vêm das sombras do passado ou das promessas do futuro, habitam as margens de cada linha, esperando o toque de um leitor para renascerem. Escutá-las é uma forma de permanecer humano num mundo que, às vezes, tenta nos desumanizar.
E como não recordar de Carlos Ruiz Zafón, que nos sussurra: “Cada livro tem alma. A alma de quem o escreveu, e a alma dos que o leram.” É por isso que os livros vivem mesmo quando fechados. É por isso que o papel, ainda que em silêncio, pulsa.
Hoje, celebramos os livros como quem agradece ao sol, à água e ao pão. Celebramos o milagre da palavra que permanece, que resiste ao tempo, ao esquecimento, à indiferença. Celebramos o livro como símbolo maior da liberdade, da imaginação e da humanidade.
Neste dia sagrado, que cada um possa abrir um livro e, ao abri-lo, abrir também uma fresta em si mesmo. Que possamos continuar ouvindo as vozes que nos formam, que nos inquietam, que nos salvam. Porque um livro, quando verdadeiro, é mais do que letras: é um abrigo de alma.
Habemus os livros! Que nunca nos falte a sede de lê-los — e a coragem de vivê-los.
VÍDEOS:
