Rodrigo Chemim
Poder360
No caso concreto, a fundamentação da prisão preventiva que consta da decisão do ministro Alexandre é baseada em intervenção do general Braga Netto para “embaraçar as investigações”, o que, simultaneamente, evidenciaria o crime do §1º do art. 2º da Lei 12.850 de 2013: “Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.
Assim, seria um motivo legal para a decretação da prisão preventiva – art. 312, CPP – por “conveniência da instrução criminal, desde que fosse uma situação contemporânea à decretação da prisão preventiva.
PACOTE ANTICRIME – Essa exigência de contemporaneidade do perigo veio com o Pacote Anticrime, Lei 13.964 de 2019, (§2º no art. 312 e o §1º no art. 315, ambos do Código de Processo Penal, com redação praticamente idênticas, exigindo para a decretação da prisão preventiva de alguém a demonstração de “existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”.
A mesma lei de 2019 ainda reformulou o art. 316, também do CPP, determinando que a prisão preventiva seja reavaliada de 90 em 90 dias, para analisar se ainda persiste a necessidade e a contemporaneidade de ainda manter preso preventivamente o investigado.
A decisão do ministro Moraes, no entanto, aponta apenas um dado concreto de possível “embaraçamento da investigação”, que teria ocorrido em 8 de agosto de 2023, quando Braga Netto entrou em contato com o pai de Mauro Cid para procurar saber do conteúdo da delação.
ALEGA MORAES – Consta da decisão de Moraes, à página 13, o seguinte: “A investigação, segundo a Polícia Federal, demonstra que os contatos telefônicos realizados com Mauro César Lourena Cid, genitor do colaborador, tinham a finalidade de obter dados sigilosos, controlar o que seria repassado à investigação, e, ao que tudo indica, manter informado os demais integrantes da organização criminosa”.
Essa conduta, por si só, já é meio duvidosa quanto ao dolo de “embaraçar a investigação”, referido na decisão. O crime de embaraçar a investigação é material, ou seja, exige a verificação de um resultado no mundo físico: no caso, o efetivo embaraçamento da investigação.
Querer saber o que foi dito pelo delator no curso de sua delação é uma coisa, embaraçar é outra. Seria embaraço da investigação, por exemplo, caso se tivesse elementos indicando que ele tentou fazer com que a testemunha mentisse. Mas isso não consta da decisão.
MAIS DE UM ANO… – De qualquer forma, ainda que se considere que procurar se informar quanto ao conteúdo da delação seja um “embaraçamento da investigação”, é certo que, de 8 de agosto de 2023 (data do contato com o pai de Mauro Cid para saber do conteúdo da delação) a 10 de dezembro de 2024 (quando a decisão de prisão preventiva é proferida), não há outro dado indicativo de interferência do general nas investigações.
Ao menos a decisão não indica isso. Ainda que a decisão do ministro se refira a um documento que, em fevereiro de 2024, foi encontrado na sede do Partido Liberal, sob a mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor do general Braga Netto, com perguntas e respostas anotadas no papel a respeito da conversa com o pai de Mauro Cid, esse documento não é datado, o que permite presumir que se trata das anotações daquela conversa de agosto de 2023.
AFIRMAÇÕES VAZIAS – De resto, na página 20 da decisão há duas frases soltas querendo dizer que existiriam “diversas condutas destinadas a impedir ou embaraçar a referida investigação.
As afirmações são vazias, isto é, não indicam que condutas ou indícios seriam esses. A indicação de risco à ordem pública é lacunosa. Dizer que “não há como garantir que as condutas criminosas tenham cessado” é não dizer nada de concreto.
Não pode ser um achismo, é preciso ter um dado concreto da realidade que permita dizer que o investigado, em liberdade, tende a reiterar o comportamento delitivo. Não há indicação concreta nesse sentido.
NÃO HÁ PERIGO – Logo, havendo passados mais de ano e não tendo sido constatado mais nada de concreto em termos de intervenção nas investigações, não há perigo contemporâneo a justificar a prisão preventiva, seja para garantia da ordem pública, seja por conveniência da instrução criminal.
Essa é inclusive a jurisprudência do Supremo. Ou seja: ainda que possa ter havido um ato de intervenção do general para “embaraçar” a investigação, considerando que esse único ato indicado na decisão do ministro Alexandre ocorreu em 8 de agosto de 2023 e já se passou mais de ano sem notícia de outro ato do mesmo teor, não persiste a contemporaneidade da medida de prisão preventiva.
Frise-se que aqui se trata de prisão cautelar e não de discutir o mérito se houve ou não crime. Assim, é possível dizer que, juridicamente a decisão está carente de fundamentação à luz do que exige a lei processual penal brasileira.