Análise: Morte de líder do Hezbollah escancara fracasso de cálculo do grupo de lançar ataques sem expandir conflito com Israel

Por

Ben Hubbard

, Em The New York Times — Istambul

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

Semanas após o Hamas ter lançado o ataque surpresa contra Israel que deu início à guerra de Gaza em outubro passado, Hassan Nasrallah, líder do movimento xiita libanês Hezbollah, anunciou como seu grupo encararia o conflito. Em transmissão de vídeo feita em um local secreto, afirmou que o Hezbollah encontraria um equilíbrio entre lançar ataques contra Israel em apoio ao Hamas e, ao mesmo tempo, evitar uma guerra total.

— Alguns no Líbano dizem que estamos correndo um risco — disse ele por vídeo á época, acrescentando: — Mas esse risco faz parte de um cálculo correto.

Sua morte, confirmada neste sábado, escancara o drástico fracasso de seu cálculo. Nas últimas duas semanas Israel lançou uma série crescente de ataques contra o grupo que incluiu a incapacitação de milhares de membros do Hezbollah ao explodir seus dispositivos eletrônicos e matou muitos dos outros líderes seniores do grupo em seguidos ataques aéreos.

No fim da sexta-feira no Líbano, militares israelenses miraram Nasrallah, ao bombardearem o que afirmaram ser o quartel-general do Hezbollah perto de Beirute. Tanto Israel quanto o Hezbollah confirmaram sua morte neste sábado.

— O Hezbollah acreditava que seu jogo de dissuasão com Israel estava basicamente empatado — observou Michael Young, editor sênior do Carnegie Middle East Center em Beirute. — Mas os israelenses mostraram que não era bem assim.

Nasrallah liderou o Hezbollah por mais de três décadas, e sua morte priva o movimento de um líder experiente, que desfrutava de status quase mítico em sua base muçulmana xiita.

Ao decidir liderar o Hezbollah em nova batalha contra Israel, Nasrallah parece ter calculado que os combates poderiam ser contidos e que a exaustão de Israel, após a guerra em Gaza, bem como o medo dos danos que os mísseis e comandos do Hezbollah poderiam causar no território israelense, o impediriam de responder com muita força.

Essa estratégia funcionou bem por meses a fio, pois Israel e o Hezbollah bombardearam e lançaram mísseis na fronteira do Líbano com Israel, mas evitaram ataques maiores.

As duas vantagens de Israel

Porém, nas últimas semanas, os líderes israelenses, diante da pressão interna para encontrar uma maneira de fazer com que dezenas de milhares de cidadãos que haviam fugido do norte do país voltassem para suas casas, aumentaram rapidamente a potência de seus ataques. O esforço contínuo semeou desordem dentro do Hezbollah e prejudicou sua capacidade de resposta.

Israel tinha duas vantagens contra o Hezbollah. Primeiro, seus serviços de inteligência penetraram profundamente no grupo, o que permitiu rastrear e matar um grande número de comandantes de nível médio e alto.

— Eles conseguiram se infiltrar profundamente no Hezbollah, de tal modo que parecem saber tudo hoje, incluindo onde estão os líderes e quando se encontram — disse Young.

Mesmo depois que os assassinatos de Israel deixaram claro que o país era capaz de rastrear os líderes do grupo, o Hezbollah não parece ter ajustado seus protocolos de segurança para evitar novos alvos. Na semana passada, Israel matou Ibrahim Aqil, que chefiava a força de comando de elite do Hezbollah, enquanto ele se reunia com outros comandantes militares. Nasrallah parece ter sido morto dentro do quartel-general do Hezbollahula durante outra reunião com a cúpula do grupo extremista.

A segunda vantagem de Israel foi que as ações de Nasrallah mostraram que ele parecia relutante em responder aos ataques de uma forma que provavelmente teria expandido a guerra. Depois que Israel matou o chefe das operações militares do Hezbollah em um ataque aéreo perto de Beirute, em julho, o grupo não reagiu de forma substantiva.

O Hezbollah há muito tempo se vangloriava de ter mísseis poderosos capazes de atingir cidades no centro de Israel, e os líderes israelenses temiam que o grupo pudesse atingir infraestruturas significativas com mísseis precisos, ou enviar comandos para invadir comunidades israelenses, como fez o Hamas. Mas, se não foram desbaratadas pelos ataques de Israel, essas possibilidades não se materializaram.

— Em todos os níveis de escalada, o Hezbollah não foi capaz de acompanhar os israelenses — pontuou Young.

Golpe de misericórdia

Assim, os israelenses aumentaram rapidamente sua investida, intensificando os assassinatos de líderes do Hezbollah e bombardeando intensamente as fortalezas do grupo no sul e no leste do Líbano, em ataques que mataram mais de 700 pessoas na última semana, muitas delas civis. As autoridades israelenses afirmaram que estão tentando, ao degradar significativamente as capacidades do Hezbollah e eliminar sua liderança, evitar uma invasão terrestre do Líbano.

Ao perseguir e matar Nasrallah na sexta-feira, Israel pode estar apostando que a eliminação do venerado líder do grupo funcione como uma espécie de golpe de misericórdia.