Vera Magalhães
O Globo
A tragédia do Rio Grande do Sul é um epílogo de décadas de descaso com prevenção a desastres, com medidas recentes que retiraram recursos para dotar o estado de mais resiliência a intempéries, a despeito de o histórico e a situação geográfica sugerirem a tendência de que sejam recorrentes e severas, e com o afrouxamento do arcabouço ambiental que poderia reforçar a proteção a esses eventos.
O resultado é um estado destruído e submerso. Pensar que governantes possam cometer, além de todo esse histórico de erros, a bobagem de buscar protagonismo no manejo do caos é imaginar que sejam suicidas. Não costuma ser uma característica dos políticos. A cautela é necessária num momento em que não se tem a mais vaga ideia da quantidade de recursos e do tipo de ação que serão necessários para tirar o Rio Grande do Sul dos escombros.
DISPUTA POLÍTICA – A pasta extraordinária criada por Lula para centralizar os esforços federais, cobrar as demais pastas, tentar combater a burocracia para facilitar a chegada dos recursos e fazer a ponte com o governo do estado e as prefeituras é uma ideia que, se bem implementada, pode representar ganho em termos de agilidade e presença efetiva do governo central na unidade da Federação engolfada pelas cheias.
A desconfiança com que foi recebida a escolha de Paulo Pimenta para a missão decorre do temor de que a disputa política se sobreponha a esses objetivos concretos.
Era previsível que um político com ligação com o estado fosse levantar a mão quando a ideia de criar o posto surgiu.
MOMENTO DELICADO – Justamente por isso teria sido mais prudente da parte do presidente descartar essa possibilidade, destacando para a missão alguém com menos envolvimento político e emocional com o solo gaúcho.
Uma vez nomeado, cabe a Pimenta entender quão delicado é o momento. Como escrevi neste espaço na quarta-feira, a tragédia no Rio Grande do Sul pode representar para Lula uma avaliação definitiva de seu terceiro mandato, como a pandemia foi para Jair Bolsonaro —no caso do ex-presidente, foi um fator a definir sua derrota.
Caso se lance numa disputa política com o governador Eduardo Leite, Pimenta exporá Lula num estado que, a despeito do passado petista, hoje tem perfil eleitoral mais à direita, refratário ao partido.
RESPOSTA LOCAL – Seria insanidade imaginar que o posto avançado possa de alguma maneira “rivalizar” com o governo local na definição das prioridades e das políticas públicas para reconstruir o estado.
A ala mais moderada do PT acredita que, ao prontamente se colocar em campo com toda a equipe ministerial, em ação articulada com os demais Poderes, Lula percebeu a gravidade da tragédia gaúcha e entendeu que é preciso ter uma resposta local rápida e reposicionar seu governo no enfrentamento da emergência climática.
A maneira como isso dialogará com outras prioridades da administração e com a velha, mas ainda hegemônica, visão de um Estado forte, indutor de pesados investimentos em infraestrutura, ainda é uma incógnita.
CASO PETROBRAS – A tempestuosa troca de comando na Petrobras em meio ao caos é um desses momentos em que o discurso de reconhecimento da gravidade da crise ambiental será testado na prática.
Afinal, o que o governo decidirá sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial, com todo o impacto ambiental que trará e a oposição clara de Marina Silva e seu time à abertura de uma nova fronteira de extração de combustível fóssil vizinha à Amazônia? Como isso condiz com a necessidade de avançar de forma mais firme e rápida na transição energética, prioridade muito falada, inclusive na campanha, mas pouco executada?
São esses os desafios reais do governo diante do colapso gaúcho. Num cenário tão adverso e imprevisível, a última coisa a pensar é em protagonismo. Até porque a chance de o protagonista neste filme se tornar vilão, se não agir com sabedoria, é gigantesca.