Polêmica no ar – José Paulo Cavalcanti Filho é contra uma nova Comissão da Verdade.

Jornal O PODER

Está circulando a ideia de formar nova Comissão Nacional da Verdade. Com algum outro nome, talvez. Em artigo fulminante no JC (19/04) o jurista José Paulo Cavalcanti Filho fuzilou: “Antes de prosperar, seria bom ver que precederam a brasileira, no mundo, outras 40 comissões semelhantes. Mais notória sendo a da África do Sul, criada em 1994 por Nelson Mandela e sob direção de Desmond Tutu ? um arcebispo da Igreja Anglicana que foi prêmio Nobel da Paz dez anos antes. Com diferenças, entre essas todas e a nossa”. O Poder foi conferir.

O Poder – já notou que quase toda semana estamos no seu pé? O senhor é um dos pensadores seminais do Brasil de hoje. Inspira e não foge do debate…

JP – Agradeço. Mas não fujo não, realmente.

O Poder – Quais as diferenças entre a nossa e as demais Comissões da verdade?

JP –
Principal e determinante é que todas as outras foram formadas entre seis meses e um ano após a transição, de um governo autocrático para a Democracia. Enquanto, a brasileira, nasceu 30 anos depois. E nenhuma dessas 40 comissões foi criada com o fim específico de fazer justiça. De por, na cadeia, os responsáveis por torturas e mortes. A ideia era, basicamente, só preparar as bases para uma transição menos traumática, em cada país, entre os horrores de antes e os novos tempos.
O que se buscava, sobretudo, era o conhecimento da verdade. Aquilo que aconteceu, de fato, naquele passado triste. Para quem confessasse o que fez, sendo garantida anistia automática. Valendo notar que não houve uma única prisão, no curso ou por conta (depois) de todas essas outras comissões.

imagem noticia-2

O Poder – Sua opinião foi apresentada na Comissão que o senhor integrou?

JP –
Fui vencido, na primeira reunião de nossa Comissão Nacional da Verdade. Porque pretendia que examinássemos os dois lados. Se é para escrever a história, era o que cabia. Ocorre que não haveria tempo útil, nos foi dado menos que dois anos. Para comparar, à Comissão do Livro Negro em Portugal foram concedidos 10 anos. E como a versão dos vencedores era já conhecida entre nós, melhor nesse breve tempo contar só a história dos vencidos, ainda perdida nas sombras. Concordei com isso. Mas se por acaso formos reabrir os trabalhos em uma nova comissão, e com mais tempo disponível, já não há razão para deixar de contar os dois lados.

O Poder – Qual o balanço dos anos de Chumbo?

JP –
Em nosso Relatório Final, identificamos 434 casos documentados de como se deram prisões ilegais, torturas e assassinatos. Como, também, os responsáveis por essa violência. Além dos mais que 2 mil casos de desaparecimentos forçados, sem mais provas para saber quais pessoas deveriam responder por eles. Mas, se formos contar os dois lados, ha cerca de 108 mortos pelos opositores ao novo regime.

O Poder – Por exemplo?
Em Pernambuco, tivemos várias dessas vítimas. Como um gerente da Souza Cruz (do grupo British American Tobacco), no Largo da Paz, por ser representante do imperialismo. Ou dois mortos atingidos por estilhaços de bomba, no Aeroporto dos Guararapes, em 25 de julho de 1966.

imagem noticia-3

O Poder – Isso é polêmico e não suficientemente esclarecido .

JP –
Desculpe, não resta nenhuma dúvida quanto ao episódio.

O Poder – o senhor está tentando misturar algozes e vítimas.

JP – Nada disso. História é o que de fato aconteceu.
Há ainda, nessa tragédia, aqueles que dificilmente se poderiam por em qualquer dos dois lados. Como alguns membros de movimentos revolucionários justiçados por seus próprios companheiros. Dado que por eles considerados fracos, e caso fossem presos, delatariam (e poriam em risco) os demais. Só para lembrar, depois dos julgamentos, todos tinham que participar dessas mortes. Por ser responsáveis pela decisão que tomaram. Entre seus membros articulistas de jornais, participantes de nossos programas de rádio e ocupantes de cargos públicos.

O Poder – Vindo de um democrata reconhecido é a primeira vez que se ouve isso.

JP – Pois é. Repito: História é aquilo que aconteceu e não narrativas convenientes.

O Poder – uma nova Comissão da Verdade não pode fazer o que os senhores não fizeram, identificar todos os responsáveis?

JP –
Seja como for, se a intenção da nova Comissão for punir os que tiveram culpa, bom considerar que quase não há mais ninguém vivo entre os criminosos daquele tempo. Com certeza, nenhum nome importante. Último deles foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto por um câncer em 15 de outubro de 2015.

imagem noticia-4

O Poder – A anistia foi ampla, geral, irrestrita e recíproca. Não devia ter encerrado o assunto?

JP –
Com relação à anistia ampla e recíproca, que foi concedida aos dois lados naquele tempo, permitindo voltar ao Brasil Arraes, Brizola e centenas de outros, é comum dizer que a Lei da Anistia foi votada, em 28 de agosto de 1979, por pressão dos militares. Sobretudo para proteção deles próprios. Com certeza foi assim. Ocorre que houve outra Lei da Anistia, posterior no tempo, da qual pouco se fala. Como se não tivesse existido.
Foi a única exigência feita pelos militares, nas negociações da transição. Para beneficiar os responsáveis pelo RioCentro, que se deu na noite de 30 de abril de 1981. Posterior, portanto, à primeira lei (que é de 1979). Tancredo morto, coube a Sarney honrar esse compromisso. O que foi feito com a Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985. Votada por um Congresso livre de quaisquer pressões. O mesmo que elegeu Tancredo, opositor civil ao Regime Militar. Uma regra não apenas posterior, no tempo, como também de nível superior ao das leis ordinárias, posto que passou a constar da própria Constituição.

O Poder – Então, assunto encerrado.

JP – Que nada.
A maioria dos embros de nossa Comissão pretenderam recusar dita anistia.

Para constar, na votação das “RecomendaçõesVotei a favor dela. É cláusula petrea da Constituição. Ratificada pelo STF poe sete votos a dois.
Em razão do que nenhum dos envolvidos, de parte a parte, poderá mais ser punido. A menos que o Supremo modifique seu entendimento.

O Poder – Como os seus admiradores ou discordantes podem se comunicar com o senhor?

JP –
Simples.
José Paulo Cavalcanti Filho.
jp@jpc.com.br

NR – imagens- Foto do entrevistado. DP notícia o atentado dos Guararapes. Heróis do PCR assassinados sob torturas na ditadura. Carlos Marighela assassinado. Bomba do RioCentro que detonou no colo dos militares terroristas.

imagem noticia-5