Deu em O Globo
Logo depois de assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia ficar ofendido quando questionado sobre seu comprometimento com a responsabilidade fiscal. Citava os números das administrações anteriores como garantia. No ano passado, o governo aprovou no Congresso um novo arcabouço fiscal, com o compromisso de zerar o déficit público neste ano, entregar um superávit de 0,5% no ano que vem e de 1% em 2026.
Nesta semana, menos de um ano depois, as metas foram afrouxadas. A de 2025 agora é zero. Para 2026, 0,25%. A deste ano segue sendo zero, mas ninguém sabe se será mesmo mantida ou cumprida. Em resumo, o governo empurrou o problema de estabilizar a dívida pública para a próxima administração.
ERA DE GASTANÇA – Contas públicas envolvem cifras bilionárias, mas não escapam de uma regra básica: enquanto o gasto for maior que a arrecadação, a dívida crescerá. Pelos cálculos do Tesouro, ela chegará ao pico em 2027, em 79,7% do PIB. Poucos no mercado concordam. As projeções giram ao redor de 86% em 2030.
A escalada fica evidente quando se lembra que, em 2022, a dívida correspondia a 71,7% do PIB. Hoje está em 75,6%. Desde a posse de Lula, o Brasil já deve quase R$ 1,1 trilhão a mais, praticamente o triplo da alta no primeiro ano sob Jair Bolsonaro. O descompasso com o restante do mundo é patente. No ano passado, a média da dívida entre os emergentes foi de 68,3% do PIB.
O histórico do governo desde que assumiu não dá margem a otimismo. A tentativa de ajustar as contas públicas se concentrou no aumento da arrecadação, cobrando mais impostos. É preciso dar crédito ao Congresso, solidário em várias das iniciativas, muitas justificáveis. Mas a estratégia se exauriu.
SEM APOIO POLÍTICO – De agora em diante, dificilmente haverá apoio político para o governo criar mais impostos ou aumentar os existentes. Diante disso, era esperado que apresentasse um plano consistente para cortar gastos na medida necessária. Inúmeros sinais mostram que não é a intenção do Planalto.
O último foi a decisão de antecipar um gasto extra de R$ 15,7 bilhões. Por iniciativa da Casa Civil, a Câmara promoveu a primeira alteração nas regras do arcabouço fiscal, para liberação de recursos a que o governo teria direito a partir de maio se a arrecadação se mantiver em alta. Embora o Senado ainda precise votar, a aprovação é dada como certa.
O Brasil é um país com demandas sociais imensas. Quem ocupa a Presidência tem sempre promessas a cumprir. O calendário da política impõe medidas imediatas. Mas tudo isso não exime o governo de buscar objetivos de bem-estar para a maioria no longo prazo.
CRESCER É PRECISO – A responsabilidade fiscal é pré-requisito para o Brasil manter taxas elevadas e sustentadas de crescimento, com aumento de renda e emprego.
Quanto mais o Estado deve, maior a dúvida sobre sua solvência. Assim que foi anunciada a mudança nas metas fiscais, os juros de longo prazo subiram, afastando o objetivo de elevar a taxa de investimento na economia (que foi de 16,5% no ano passado, ante uma necessidade em torno de 25%). Já devíamos ter aprendido que a visão de curto prazo pode trazer alívio imediato, para, em seguida, os problemas voltarem com força.
O país precisa aumentar os investimentos. Isso depende da confiança no governo. Para haver queda nos juros de longo prazo, a dívida pública precisa ser reduzida. Isso demanda coragem para cortar gastos. Esse é o caminho, não existe mágica.