
Jornal O Poder
Entrevista
José Paulo Cavalcanti Filho, Zé Paulinho para amigos e conhecidos em geral, é talvez o único brasileiro três vezes imortal. Faz parte da Academia Pernambucana de Letras, da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Lisboa, que tem alcance nacional. Zé Paulinho ganhou dimensão internacional com o livro ‘Fernando Pessoa, uma quase autobiografia’. Recentemente, aproveitando as comemorações pelos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, autor da epopeia ‘Os Lusíadas’ e de sonetos inesquecíveis, publicou no JC um ensaio. Nele recupera dados essenciais da biografia do gênio, desconhecidos pelo grande público. Sobre isso, O Poder foi conversar com o acadêmico.

O Poder – Depois desse ensaio podemos esperar para breve o livro ‘Camões, uma quase autobiografia’?
Zé Paulinho – (Risos). Que é isso, são apenas breves anotações.
O Poder – Mas é uma possibilidade. A espinha dorsal está delineada.
Zé Paulinho – Não pensei nisso. Foi apenas uma pesquisa para comemorar os 500 anos do grande Poeta.
O Poder – A propósito, quem é maior, Pessoa ou Camões?
Zé Paulinho – Épocas e estilos diferentes. Dois gigantes, dois gênios que pairam muito acima dos apenas humanos.
O Poder – Falando nisso, quando é mesmo o 500º aniversário?
Zé Paulinho – Em torno de Camões, quase tudo é incerto. Sabe-se, que nasceu em Lisboa – ou Coimbra, ou Santarém, ou Alenquer. Talvez em 1523 ou, mais provavelmente, em 1524, havendo ainda que sugira começos de 1525. Lei portuguesa de 02/02/1924, oficializa que teria sido em 05.02.1524. De acordo com a lei, Camões completou mês passado 500 anos.
O Poder – Como foi a formação do jovem Luís?
Zé Paulinho – Estudou em Coimbra, entre 1542 e 1545, com o tio dom Bento de Camões, prior do Convento de Santa Cruz. Até que voltou para Lisboa. Mas a carreira das armas, logo percebeu, era mesmo das poucas opções que lhe restavam.

Zé Paulinho – Luís Vaz de Camões veio da pequena nobreza – assim se dizia, na época, dos nobres sem casas nem títulos em Portugal. Desde jovem, passava dias e noites pelas ruas entre pedintes, arruaceiros, prostitutas, desvalidos. Ou nas tabernas. E escrevendo versos, quando possível, às vezes em troca de gorjeta. Ou comida. Era conhecido, pelas incontáveis rixas em que se metia, como Trinca-Fortes. Em uma delas, na noite da procissão de Corpus-Christi, golpeou com espada o pescoço de Gonçalo Borges, responsável dos arreios do rei. Acabou preso no tronco. Libertado por Carta Régia de Perdão, em 7 de março de 1553, teve que pagar quatro mil réis para caridade e foi obrigado a ir servir na Índia. Seria mudança definitiva, em sua vida. Um destino jamais sonhado por seus pais – Simão Vaz de Camões, capitão de nau; e Ana de Sá, dos Macedo de Santarém, doméstica.

O Poder – O que ocorreu após a condenação?
Zé Paulinho – Para cumprir aquela sentença de perdão embarcou pouco dias depois, em 24 de março, na poderosa armada do capitão-mor Fernão Álvares Cabral. Para Goa na Índia. Ali, naquele mundo para ele novo, sofreu todas as agruras. Em expedição a Ceuta, perdeu o olho direito numa batalha. Em 1558, naufragou na foz do rio Mekong – costa do Sião, hoje Tailândia. Salvou-se despido, como todos os demais sobreviventes, tendo em uma das mãos os primeiros versos de seu ‘Os Lusíadas’. Uma epopeia da epopeia. Nesse episódio teria morrido uma chinesa, a quem Camões deu o nome poético de Dinamene, e para quem depois escreveria uma série de poemas, entre eles o famoso Soneto 48.
O Poder – Ah, esse é um dos mais belos sonetos de todos os tempos. Há quem considere o primeiro sem segundo. Já que a conversa é para apreciadores, vamos degustar o 48? Pode consultar (risos).
Zé Paulinho – Não precisa consulta. Digo de memória (risos). Lá vai (Recita).
“Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou”.
E agora…
Fim da primeira parte da entrevista. A segunda parte será publicada amanhã
