Arnaldo Niskier – Imortal. Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da Academia Brasileira de Letras. Professor, escritor, filósofo, historiador e pedagogo. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras e secretário estadual de Ciência e Tecnologia e de Educação e Cultura do Rio de Janeiro.
Visitar o Theatro São Pedro, em Porto Alegre, é um verdadeiro privilégio. Inaugurado em 1858 pelo Barão de Uruguaiana (Ângelo Moniz da Silveira Ferraz), recebeu óperas, concertos e peças teatrais das mais distantes procedências e se encontra “vivo e atuante”, no dizer do médico e homem de cultura Gilberto Schwartsmann, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio Grande do Sul e presidente da Associação dos Amigos do Theatro São Pedro.
Hoje curador da Mostra “Caminhos de Proust”, na Biblioteca Pública do RS, Gilberto comanda um intenso programa de restauração e de modernização do grande espaço cultural, no que é denominado de Multipalco. São quase 18 mil metros quadrados. Somado esse total à área do Theatro São Pedro são mais de 25 mil metros quadrados dedicados às várias formas de expressão artística.
O projeto Multipalco ensejará infraestrutura para as artes de palco, mas também para as atividades de ensino, inclusão social e aprimoramento técnico de jovens artistas e especialistas. A conclusão das obras ficou sob a responsabilidade da fundação Theatro São Pedro, dirigida pelo jornalista Antônio Hohlfeldt, e da Associação de Amigos do Theatro São Pedro, que tem no seu firme comando o prof. Gilberto Schwartsmann.
Dentro de seus espaços, o público tem à sua disposição uma concha acústica, o teatro italiano (capacidade para 650 espectadores), o teatro-oficina para 200 espectadores, salas para música de câmara, ensaios, recitais, conferências e simpósios, além de salas de reuniões e áreas administrativas.
Como se vê, uma obra completa, com uma especial atenção ao público jovem. O que se visa é uma ampliação do rendimento escolar e o cultivo do sentimento de cidadania.
Alguém perguntará de onde vêm os recursos para esse notável trabalho. A resposta é objetiva: do governo do Rio Grande do Sul e de verbas de empresas parceiras, além de projetos aprovados nas leis de incentivo à cultura. O sucesso dessa empreitada é a melhor prova de que os gaúchos acreditam no poder transformador da arte. Foi um prazer conhecer isso tudo de perto.
Estive no pampa gaúcho, soprado pelos ventos do amigo Gilberto Schwartsmann, notável colecionador literário, autor do livro “A Amante de Proust” e membro da Academia Nacional de Medicina, para dizer algumas palavras sobre esse incrível escritor que foi Marcel Proust (1871-1922). Na capital do Rio Grande do Sul, não pude deixar de me lembrar do meu saudoso colega acadêmico Moacyr Scliar, autor de mais de 80 livros, falecido em 2011. A harmonia da nossa ascendência comum, o judaísmo, explica muita coisa das nossas crenças espirituais e literárias.
Membro há 35 anos da Academia Brasileira de Letras, da qual hoje sou vice-decano, sempre me interessei, particularmente, pela cultura francesa. Talvez por isso seja natural que tenha recebido a “Légion d´Honneur” e a Ordem das Letras e das Artes do governo francês.
O escritor judeu produz uma escrita judaica, embora não trate especificamente de temas judaicos. Marcel Proust teve um brilho especial na história do romance francês do século XX, particularmente em virtude do sucesso de “Em busca do tempo perdido”, obra publicada em sete partes, de 1913 a 1927. Nela está a ideia de que a obra literária tem por objeto voltar a encontrar, além do escoamento estéril da vida cotidiana e mundana, o universo espelhado pelo espírito e considerado, sob o aspecto da eternidade, que é também o da arte.
Com a saúde fragilizada desde a infância por conta da asma, a vida de Proust é, sem dúvida, o testemunho do permanente esforço para adaptação à doença, para a resistência ao sofrimento. Chegou até a dizer que “a ideia da morte o acompanhava com a mesma constância quanto a da própria identidade”.
O prazer na dor e na atribulação deveria, em parte, ser creditado ao sangue judeu de Proust, que o levava a considerar com desprezo ‘‘o mundo inumano do prazer”, e a defender o princípio de que “toda a criação tem que exigir ascese e sacrifícios”. Para ele, a arte traduzia um valor absoluto. E a própria obra literária mostra muito bem a relação que existiu entre o romancista e o mundo que procurou apresentar ao leitor. Já se disse que a doença está para o romance de Proust, como o dinheiro na estrutura da Comédie Humaine . Há estudiosos que afirmam que ele foi “o Balzac do fim da alta burguesia”, que teria escrito “o epitáfio da aristocracia francesa”.