O pote transborda, por Mara Bergamaschi

     por Mara Bergamaschi

“Ei Fifa, paga a minha tarifa”. As palavras de ordem, ouvidas esta semana no Rio de Janeiro, sinalizam didaticamente a retomada, em uníssono, de dois poderosos protestos: um contra a Copa; outro contra o precário sistema de transporte público – visto como contraponto aos investimentos bilionários (do BNDES ou não) no Mundial.

Mas a principal novidade nem é a voz unida. Segundo a reportagem de O Estado de S. Paulo, ao mesmo tempo em que gritavam, 450 manifestantes e passageiros pulavam as catracas da Central do Brasil. E faziam isso sem confusão, em fila, organizada por Black Blocs! O fato ocorreu na última terça-feira, na hora da volta para casa em metrôs lotados e trens sucateados.

Liderados pelo Movimento Passe Livre, os manifestantes colocaram em prática uma espécie de desobediência civil ordeira. Estratégia que significa, ao contrário dos condenáveis atos violentos, controle e determinação na luta pacífica, ainda que ilegal. Não sabemos se a ação irá prosperar – mas é fato que já está sendo testada em 2014.

A desobediência civil é usada na democracia para forçar governos a reverter situações de injustiça cabal, capazes de desestabilizar as bases do pacto social.

Foto: Pablo Vergara

No caso, a obrigação de se pagar por um serviço público – o essencial ir e vir do trabalho ou da escola – de péssima qualidade, que impõe sofrimento aos usuários. Conceitualmente, seria legítimo gerar prejuízos a tal sistema.

Esse tipo de movimento costuma ter início – e muitas vezes fim – com minorias. Mas cresce e obtém vitórias em conjunturas especiais, quando é visível para maioria o reiterado desrespeito a direitos considerados inquestionáveis.

Na mesma terça-feira em que passageiros dos trens urbanos terminaram o dia trocando a fila dos guichês pela fila do calote na catraca, o Rio acordou com um desastre rodoviário, fruto da incúria pública e privada, que ceifou a vida de cinco pessoas, feriu outras quatro, destruiu patrimônio e convulsionou o trânsito por nove horas. Tudo isso numa via municipal em que se paga pedágio.

Poucos dias antes, já havia ocorrido outro acidente, desta vez ferroviário, e felizmente sem vítimas: o descarrilamento de vagões velhíssimos da Super Via, fato que também transtornou a cidade. Após esse grande caos, soubemos pelo jornal O Globo que a agência reguladora do Estado chamou as concessionárias de transporte para uma reunião. A primeira em 15 anos de privatização.

Inacreditável? Tem mais: o prefeito do Rio, Eduardo Paes, anunciou o aumento das passagens de ônibus de R$ 2,75 para R$ 3,00, a partir de 8 de fevereiro.

Mara Bergamaschi é jornalista e escritora. Foi repórter de política do Estadão e da Folha em Brasília. Hoje trabalha no Rio, onde publicou pela 7Letras “Acabamento” (contos,2009) e “O Primeiro Dia da Segunda Morte” (romance,2012). É co-autora de “Brasília aos 50 anos, que cidade é essa?” (ensaios,Tema Editorial,2010).

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