CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Olho para a foto dos palanques mais prováveis de 2014, comparo-os com o das Diretas-Já, 30 anos atrás, e fico tentado a recordar uma frase irônica que os espanhóis inventaram nos primeiros anos de sua democracia recém-reconquistada, nos anos 70.
Diziam: “CONTRA a ditadura vivíamos melhor”.
Decodificando: os grupos que haviam sido contra a ditadura de Francisco Franco não sentiam saudades da ditadura, mesmo ante as inevitáveis dificuldades de viver em democracia, mas lamentavam ter perdido a unidade que haviam exibido durante o longo inverno autoritário.
Volto aos palanques de agora e de antes. Em 2014, Dilma Rousseff ocupa um palanque, ao passo que seu padrinho Lula compartilhava o palco em 1984 com:
1 – Tancredo Neves, cujo neto, Aécio, é agora e por enquanto o principal rival de Dilma. Aliás, o partido de Tancredo, o PMDB, rachou-se em muitos pedaços, quando, em 1984, seu líder inconteste chamava-se Ulysses Guimarães, o incansável “Sr. Diretas”.
2 – Fernando Henrique Cardoso, o único, com Lula, ainda vivo, das grandes figuras daquela época.
3 – Miguel Arraes, cujo neto, Eduardo Campos, para mim o Dudu de incursões pelo agreste, é agora adversário de Dilma e Lula, mais uma subdivisão do palanque das diretas.
Sem falar em Leonel Brizola, que não deixou herdeiros para 2014, quando, em 1984, incendiava a praça com gestos largos e seu inconfundível “gauchês”.
As Diretas-Já não foram um simples movimento de massas, o primeiro de grande porte desde que a memória alcança. Foram um porre cívico, que inundou de alegria praças públicas de todo o país. É paradoxal que, em vez de raiva pelos 21 anos de ditadura, houvesse alegria pela possibilidade de pedir aos gritos o restabelecimento da soberania popular.
Os partidos de oposição, claro, estavam à frente, mas a festa, na verdade, era da praça, da rua. Difícil dizer se havia mais admiração do público pelos líderes que estavam no palanque ou dos líderes pela quantidade de gente que se reunia –e cantava e gritava e agitava bandeiras.
Em um país tradicionalmente apático, foi um choque de multidões. Para mim, que vinha de festas ainda mais numerosas na Argentina pela reconquista da democracia, era um deslumbramento. Afinal, era a chance de votar pela primeira vez para presidente, apesar de já ter então 40 anos, 20 de jornalismo. Sentia-me vítima de uma castração cívica.
Pena que o Congresso deu as costas à rua e não aprovou a emenda. Minha tese, de impossível comprovação, é que o Brasil seria um país melhor se o pleito direto tivesse sido em 1985, em vez de 1989. No mínimo ter-se-ia evitado a cruel ironia de, na primeira votação democrática, o eleito ter sido um “filhote da ditadura”, como Brizola chamava, com razão, Fernando Collor.