“José Saramago não queria leitores conformados, que não escutam o texto. Dizia que a indiferença, o medo e a resignação são os piores sentimentos que se podem alimentar, porque impedem o ser humano de ter atitude perante a vida”, contou a jornalista, que transitava entre o espanhol, sua língua materna, e o português. Lembrou que o marido resistia antes de sentar-se na cadeira para começar a escrever, com a mesma resistência com que evitava cair no lugar comum, na facilidade, porque “a obra que se pretende escrever é um destino que se inicia”, pontuou Pilar.
Para uma plateia encantada, que a interrompia frequentemente com palmas, a companheira de Saramago explicou o quanto o escritor confiava na capacidade do leitor. E como quando alguém o confessava dificuldade de leitura de determinado romance, o português recomendava a leitura em voz alta: porque ao ler a obra de Saramago se escuta a voz do autor, carregada da oralidade que lhe era peculiar. Mas é preciso lembrar, continuou Pilar, que não se deve ler uma obra escrita por José Saramago com ritmo mecânico, lembrando aquela atitude perante a vida que tanto o escritor desejava inspirar.
Após a leitura, Rui Couceiro iniciou entrevista com a jornalista espanhola, que falou sobre o método de escrita do marido, acostumado a escrever duas páginas por dia. “Parece pouco, mas eram duas páginas precedidas de muita reflexão. Saramago acreditava que o autor precisava saber tudo sobre o universo que escreve, e, principalmente, pelo o que não acontece”, lembrou. Para Saramago, escrever não era um ato de inspiração, mas trabalho.
Desde a morte do autor, em 2010, Pilar fez mais de 50 viagens, visitando países e cidades que muitas vezes não conhecia. No dia 16 de novembro, aniversário de 91 anos de José Saramago, Pilar pretende mobilizar os admiradores do escritor em um “Dia do Desassossego”. Aproveitou a oportunidade para convidar o público a sair pelas ruas, no sábado, com livros na mão e com desassossego. “Um desassossego lúcido e ativo. De quem lê e levanta a cabeça. De quem sente que é capaz de organizar a própria vida”, convidou.
