O Que Resta Quando Acaba o Amor Que Nunca Acaba. Por Flávio Chaves

  Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc   –  Não sei mais onde você mora, com quem divide os silêncios ou quais canções embalam suas noites. Talvez nossos caminhos tenham seguido como linhas paralelas que um dia se tocaram com força e, depois, seguiram cada uma para seu lado. Mas há algo que sei com uma certeza quase serena: o que fomos não passou. Permanece.

Durante muito tempo, achei que ninguém mais me alcançava por inteiro. Era como se partes de mim tivessem ficado para trás, coladas em uma lembrança que o tempo não apagava. Hoje entendo: não era ausência de sentimento novo. Era excesso de um sentimento antigo que ainda vivia em mim. Era você — ainda em mim.

Você me atravessou feito um relâmpago silencioso: sem alarde, mas iluminando tudo. Mudou meu jeito de calar, meu modo de olhar o mundo, de esperar, de tocar. E mesmo depois da partida, mesmo depois do tempo, você permaneceu. Não como sombra, mas como raiz. Como algo que não se vê, mas sustenta.

Houve um tempo em que tentei esquecer. Lutei contra as lembranças como quem fecha um livro antes do fim, sem coragem de ler a última linha. Como um lutador que entra no ringue já sabendo que não haverá nocaute — que a luta será longa, silenciosa, e travada dentro de si. Tentei vencer a memória, resistir ao nome, apagar os gestos. Mas foi em vão. Porque certos amores não se vencem — apenas se acolhem.

Hoje não. Hoje, recolho com cuidado tudo que fomos e guardo comigo. Não como quem revive. Mas como quem honra.

Porque há amores que não terminam. Apenas mudam de forma. Passam a morar no jeito como caminhamos, nas palavras que escolhemos, na saudade que já não dói — mas abraça. Você é esse amor. Aquele que não está mais, mas ainda é.

Não desejo voltar no tempo. Nem preciso mais de um reencontro. O que tivemos já me basta. O que fomos já me forma. Você, mesmo ausente, me construiu. E o que restou em mim depois que partiu, foi justamente a parte que mais me transformou.

Talvez esse amor nunca acabe. E está tudo bem. Não porque eu queira revivê-lo, mas porque aprendi a respeitar sua eternidade. Ele pulsa em mim como lembrança que aquece, como livro sublinhado nas partes mais importantes, como fotografia antiga que ainda sorri.

É tudo tão solene que parece não acabar.
O que fomos ficou. Ficou em mim. E isso — só isso — já me basta.