Com a perspectiva de participar de disputas em âmbito estadual em 2026, prefeitos de capitais iniciaram os novos mandatos com ênfase na área de segurança pública e em projetos de armamento da Guarda Municipal. A proposta foi abraçada pelos prefeitos do Rio, Eduardo Paes (PSD), e de Recife, João Campos (PSB), as duas únicas capitais brasileiras cujos agentes municipais em atividade não usam armas de fogo.
Outros chefes de Executivos municipais, como Bruno Reis (União), em Salvador, e Abílio Brunini (PL), em Cuiabá, também mobilizam a pauta da segurança neste início de ano, de olho tanto em atender compromissos de suas campanhas, quanto em desgastar adversários nos respectivos estados.
Segundo a última edição da Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE, de 2023, o número de prefeituras que passaram a adotar armas de fogo nas suas Guardas Municipais cresceu, em quatro anos, de 266 para 396 cidades, um aumento de 49%. O percentual mais recente de Guardas armadas equivale a cerca de 30% do total de cidades (1,3 mil) com agentes em atividade; em 2019, o índice era de 23%.
No caso das capitais, a maioria — 11 dentre 21 — passou a adotar armas de fogo depois de 2013, conforme levantamento do GLOBO com base em dados obtidos pela agência Fiquem Sabendo via Lei de Acesso à Informação. À época, mudanças na legislação durante o governo Dilma Rousseff (PT) deram maior respaldo ao armamento das Guardas, que já era previsto desde o Estatuto do Desarmamento de 2003, no primeiro governo Lula (PT).
O que querem fazer os prefeitos das capitais
- Eduardo Paes – Rio de Janeiro (RJ): após defender, em campanha, a criação de um “grupo de elite” da Guarda Municipal com armamento, Paes propôs uma nova “Força Municipal de Segurança”, aproveitando reservistas das Forças Armadas.
- João Campos – Recife (PE): Campos criou neste ano uma nova secretaria de Ordem Pública e Segurança e prometeu a adoção gradual de armas de fogo pela Guarda — apenas Rio e Recife não usam esse tipo de armamento em seus agentes.
- Bruno Reis – Salvador (BA): na posse, Reis anunciou que está finalizando um novo “Plano Municipal de Segurança”, para integrar a prefeitura ao trabalho das polícias. Ele tem culpado o governador Jerônimo Rodrigues por índices de criminalidade.
- Abílio Brunini – Cuiabá (MT): em uma das três capitais que não dispõe de Guarda Municipal em operação — junto de Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC) –, Abílio prometeu criar a corporação já com o uso de armas de fogo.
- Sandro Mabel – Goiânia (GO): Mabel iniciou o mandato prometendo a reativação do Grupo de Ações e Respostas Rápidas (Garra), unidade operacional da Guarda Civil Metropolitana.
- Igor Normando – Belém (PA): em um dos primeiros atos de sua gestão, Normando anunciou a abertura de concurso público para contratar 400 agentes à Guarda Municipal.
Agenda eleitoral
Das 26 capitais, três — Cuiabá, Rio Branco e Porto Velho — não têm Guarda Municipal, enquanto os guardas de Rio e Recife só usam armas não letais. Na capital fluminense, Paes tomou posse, no dia 1º, com a proposta de criar uma Força Municipal de Segurança, com acesso a armas de fogo, que atuaria de forma independente à Guarda Municipal. Campos, por sua vez, criou no Recife uma nova Secretaria de Ordem Pública e Segurança, com foco em debater e estruturar o início do armamento.
— Os prefeitos pré-candidatos aos respectivos governos estaduais já procuram se posicionar em cima de uma agenda vista como importante pelo eleitorado — avalia o cientista político Antônio Lavareda, diretor do Ipespe.
Lavareda observa que o tema já teve relevância nas campanhas municipais, embora não tenha sido decisivo. Isso porque, em sua avaliação, a cobrança recai especialmente sobre os governadores, aos quais estão vinculadas as Polícias Militar e Civil. Segundo pesquisa do Ipespe em outubro do ano passado, a segurança foi apontada por 20% dos entrevistados como a área do país com os maiores problemas, atrás apenas de saúde (30%). Nas capitais, 60% disseram se sentir “inseguros”.
Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário municipal de Segurança de Canoas (RS), Eduardo Pazinato afirma que diversos prefeitos tentam “alimentar a população com algum tipo de resposta à sensação de insegurança”. Ele aponta, porém, que a atividade das Guardas Municipais não deve “ser orientada pela arma de fogo”, já que o rol de atribuições é muito mais amplo do que exercer poder de polícia, e também critica erros de planejamento de alguns gestores.
No caso do Rio, a proposta de Paes virou alvo de uma ação de inconstitucionalidade, proposta pela Associação Nacional das Guardas Municipais, que questiona a hipótese de uma segunda força de segurança na cidade — a legislação permite apenas uma, a Guarda Municipal, e com determinadas regras que incluem até a padronização do uniforme. Procurada, a prefeitura do Rio não comentou o assunto.
Na semana passada, o prefeito minimizou questionamentos legais e disse que já conversou com Campos, de Recife, que teria mostrado interesse em um programa similar. Paes disse que acompanhará de perto os estudos para a implementação da força e que será o “xerife” do programa.
Pazinato, que avaliou a proposta carioca como “tecnicamente equivocada” e parte de um “cenário de disputa política regional”, afirma que a discussão sobre armamento é legítima, mas “não pode ser romântica, como se a arma resolvesse tudo ou nada”.
— A depender da dinâmica local do crime, a Guarda pode se deparar com situações de flagrante em que ela precisa ter os meios adequados para responder. Por outro lado, e embora seja uma questão delicada, entendo que o uso de fuzil, por exemplo, não se coaduna com o foco e o objetivo da instituição. Às vezes a população associa o calibre do armamento a uma maior sensação de segurança, os prefeitos tentam entregar isso, e a síntese acaba não sendo positiva — avaliou.
Grosso calibre
De acordo com os dados levantados pela Fiquem Sabendo, ao menos sete capitais adotam armas longas para suas Guardas, incluindo locais como São Paulo, Belo Horizonte e Goiânia. Nesta última, o novo prefeito, Sandro Mabel (União), iniciou o mandato prometendo recriar uma unidade tática da instituição.
Em Cuiabá, o prefeito Abílio Brunini, recém-eleito, planeja criar uma Guarda Municipal, o que reduziria para duas o número de capitais brasileiras sem agentes, e armá-la desde a origem. Ele prometeu enviar um projeto para a Câmara de Vereadores já neste mês.
Em Salvador, Bruno Reis tem usado o tema para atacar a administração do governador Jerônimo Rodrigues (PT). Em 2026, Jerônimo tende a disputar a reeleição contra o ex-prefeito ACM Neto (União), padrinho político de Reis — que também é cotado como alternativa à disputa estadual.
Reis também prometeu, no novo mandato, concluir e divulgar o Plano Municipal de Segurança, o que viabiliza o repasse de recursos federais para a área. Além disso, Reis discute com o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, indicações para a Guarda. Procurada, a prefeitura de Salvador não respondeu.
Do jornal O Globo.