Uma reflexão sobre a política de aparências e enganações
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc
O episódio protagonizado pelo vereador eleito Romário Oplínio, conhecido como CIA de Beré (PT), durante sua posse na cidade de Canarana, no norte da Bahia, gerou um misto de incredulidade e indignação. Montado em um jegue sob um sol causticante, o vereador fez seu percurso até a cerimônia trajando calça, terno e gravata rosa. O que poderia ser interpretado como uma tentativa de se conectar simbolicamente com a cultura local acabou revelando um espetáculo de ignorância e desrespeito, tanto com o animal quanto com os cidadãos que ele promete representar.
O jegue, símbolo de resistência e trabalho no sertão nordestino, foi reduzido a um adereço em uma encenação política que desrespeitou seu valor histórico e cultural. O animal, visivelmente cansado e exposto ao calor intenso, foi utilizado como veículo pelo político que, ironicamente, deveria estar comprometido em proteger e respeitar sua comunidade, incluindo os animais que fazem parte dela. O uso do jegue nesse contexto não foi apenas uma escolha infeliz de transporte; foi uma metáfora viva do desprezo que muitos políticos demonstram pelos símbolos e pelas causas que deveriam defender.
Mas a cena ridícula vai além do ato isolado. Ela é um reflexo da política de aparências e enganações que domina grande parte do cenário político brasileiro. O uso de redes sociais como palanque permanente, onde candidatos aparecem em tempo integral durante as campanhas e desaparecem logo após a vitória, é uma prática comum. Esses políticos, que surgem em festas, eventos comunitários e nas redes sociais apenas para garantir visibilidade eleitoral, costumam sumir da vida pública até que um novo pleito se aproxime. A cena de um vereador montado em um jegue é tão simbólica quanto os sorrisos falsos e os discursos vazios que vemos diariamente nas redes sociais.
Em ano pré-eleitoral, como 2026, os futuros candidatos já estão presentes nos guetos de seus currais eleitorais, garantindo que seus nomes sejam lembrados. No entanto, essa presença é superficial e estratégica. Enquanto eles aparecem em fotos distribuindo cestas básicas e apertando mãos, o povo continua sem acesso aos serviços essenciais, como saúde, educação e segurança. As promessas feitas durante as campanhas rapidamente se tornam lembranças distantes, e os eleitores, mais uma vez, são deixados à própria sorte.
O ciclo de enriquecimento pessoal que acompanha muitos mandatos também é motivo de preocupação. É comum que políticos iniciem seus mandatos com poucos bens e, ao final de seus períodos de poder, apresentem patrimônios significativamente maiores. Alguns chegam a multiplicar suas posses em até dez vezes, enquanto a população que deveriam servir permanece estagnada ou em condições ainda piores. Essa prática corriqueira de enriquecimento ilícito mostra o verdadeiro tom da política que é praticada hoje: um cenário em que interesses pessoais prevalecem sobre o bem coletivo.
O caso de Romário Oplínio levanta uma questão pertinente: se o vereador começa seu mandato com um ato público tão desconectado da realidade e da sensibilidade que o cargo exige, o que esperar de suas ações futuras? A forma como ele tratou o jegue é um indicativo preocupante de sua capacidade de pensar em políticas públicas que respeitem os direitos dos cidadãos e da própria fauna local. O desrespeito ao animal em um contexto de posse pública demonstra uma ausência de empatia que se reflete em muitos outros aspectos da política nacional.
Infelizmente, o espetáculo proporcionado por CIA de Beré não é um caso isolado. Em diversas cidades do país, políticos se valem de gestos simbólicos para enganar a população, criando narrativas que pouco têm a ver com a realidade de suas gestões. Esse tipo de atitude não apenas desrespeita os eleitores, mas também envergonha o estado e a nação como um todo. É preciso questionar: qual será o veículo que o vereador utilizará ao final de seu mandato? Um carro de luxo? Um patrimônio multiplicado? Ou, quem sabe, a perpetuação de um sistema corrupto que continua a enganar os mais vulneráveis?
A leitora que questiona a cena está certa em sua indignação. O episódio, além de ser um desrespeito aos eleitores, é um atentado ao bom senso e à ética na política. Utilizar um jegue, um animal que historicamente representa resistência e trabalho, como um elemento cênico para um evento político é um insulto à cultura local e aos valores que deveriam ser respeitados.
Este ato não pode ser considerado uma mera palhaçada. Foi, sim, uma demonstração de como a política pode ser utilizada para perpetuar ignorância, desrespeito e exploração. E, ao contrário do que muitos políticos pensam, o povo observa, sente e, aos poucos, começa a exigir mudanças. É necessário que se cobre mais responsabilidade e seriedade de quem assume um cargo público. Afinal, o mandato é uma oportunidade de servir, não de enriquecer ou de protagonizar cenas caricatas que envergonham seus conterrâneos.
O que vimos em Canarana foi um exemplo claro de como a política brasileira ainda precisa evoluir. Que o jegue, símbolo de força e resiliência, não seja esquecido como um simples acessório cênico, mas que sirva como lembrete de que a política precisa voltar a ser um instrumento de transformação social e respeito ao próximo.
Seriam as redes sociais a sela, o eleitor o jegue e o voto a montaria que os políticos energúmenos se conduzem ao topo almejado?
Veja o vídeo: