Brasil, o futuro e as ilusões perdidas. Por José Paulo Cavalcanti Filho

  Por José Paulo Cavalcanti Filho  –  Escritor, poeta, membro das Academias Pernambucana de Letras, Brasileira de Letras e Portuguesa de Letras. É  um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade

Lisboa. Seguimos na visão do Brasil, com parte de texto escrito em prefácio para livro de Marcos Vilaça (Itinerário da Corte, 1996). Depois de ver o passado, agora o futuro “que eu sem conhecer adoro” (Pessoa, Caeiro, O Guardador de Rebanhos). E começo já dizendo que a nova ética, que estamos a construir, deveria ser de inclusão. Sobretudo social. Mas pouco a pouco perdemos, como país, o sentimento do coletivo. E esse amanhã é incerto.

Nossos filhos estão fora das escolas ou se formando em quartos fechados. Crianças que encontram amigos nos Estados Unidos, na França ou no Japão, pelas telas de computadores ou celulares, embora sejam cada vez menos capazes de convidar seus vizinhos de porta para jogar bola juntos; que encontram pessoas diferentes, mas não procuram seus iguais; que conhecem o mundo, mas talvez não conheçam a sua terra. O que preocupa, porque os novos padrões de solidariedade social de que tanto precisamos provavelmente serão menores que os atuais.

Talvez tudo se passe por outros caminhos, é certo. Ou, quem sabe?, tenhamos apenas o inexorável resultado do progresso. Mas talvez estejamos assistindo a algo ainda pior ? à institucionalização da apartação, à sagração do indivíduo, ao nascimento de uma democracia de solidão.

Nosso futuro tem como cenário um surto conservador nas sociais-democracias, a deterioração das economias socialistas nos primeiro e segundo mundo, e o fim do ciclo nacional-desenvolvimentista no terceiro mundo. Sem que se saiba se caminharemos em direção à consumação da globalização, a integrações regionais ou mesmo a algum tipo de retorno aos nacionalismos, cada vez mais evidente.

Em meio a tantas incertezas, nossas elites vivem a perplexidade de não ter alternativas; de não ter projetos; de já não ter sonhos que valham a pena cumprir. Incapazes de exercer sua função histórica de antecipação aos fatos. Não por acaso um dos autores da moda continua sendo Hobsbawm (A Era dos Extremos), com sua visão pessimista dos novos tempos. E em todas as esquinas cada vez mais, como realidade política, o que se vê é o surto das igrejas evangélicas e messiânicas.

Apesar de tudo, é hora de acreditar em novos tempos, para estabelecer relações entre o Brasil dos shopping centers e o Brasil dos excluídos; entre os setores de ponta da economia e sua base fordista; entre o aumento de renda dos assalariados e um mínimo de recursos para os sem emprego e sem salário. Porque já começa a germinar, no coração do indeterminado cidadão comum, a semente da indignação nacional.

Só que tudo ainda é indefinido. O controle à corrupção deixou de ser prioridade, sobretudo por conveniências ideológicas. Estamos por exemplo de acordo que é inadiável reformar o Estado, mas essas reformas de alguma maneira antecipam um novo papel que deveriam exercer no desenvolvimento nacional, e isso não vem sendo sequer conversado. Parecemos condenados a optar entre o protecionismo despudorado de nossa antiga economia e a submissão às novas regras do jogo internacional; entre o discurso repetitivo da modernidade neo-liberal e o terceiro-mundismo de nossa esquerda ortodoxa; entre o adesismo e o ressentimento.

Por fim, falta decidir como (ou se) será possível conciliar políticas compensatórias e estabilidade; como (ou se) vamos apostar algum dia na educação, como instrumento de cidadania; e como (ou se) será possível operar reformas sociais contra a base conservadora que se apoderou do congresso e da mídia. Sem contar que ainda corremos o risco de, se a escolha for copiar servilmente instituições e políticas de países já ricos, sermos apenas mais pobres, mais dependentes, mais desiguais e mais tristes que eles.