Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Era uma manhã comum na escola pública, um dia qualquer da minha infância, quando o mundo se abriu para mim de um jeito novo. No livro de Português, entre tantas lições sobre gramática e ortografia, um poema se destacava como uma joia escondida. Era “Deixa, menino insensato”, atribuído, na época, ao poeta Casimiro de Abreu. Esses versos, simples e profundos, carregavam uma mensagem que eu talvez ainda não compreendesse completamente, mas que já tocava meu coração como um segredo sussurrado pela vida.
“Deixa, menino insensato,
O passarinho voar!
Que mal te fez avezinha,
Que passa a vida a cantar?
Joga fora a atiradeira.
Vai pedir a Deus perdão.
Mostra que guardas no peito
A joia de um coração.”
Era um poema sobre compaixão e bondade, valores que minha mãe, heroína e viga mestra da nossa casa, vivia diariamente. Órfão de pai, cresci sob a força guerreira daquela mulher que era o esteio da família, a luz que mantinha nossa casa de pé. Sua luta era silenciosa, mas grandiosa, e seus sacrifícios eram o alicerce do meu caminho.
Ao decorar aqueles versos, algo em mim despertou. Havia um entusiasmo que não cabia no pequeno mundo que eu conhecia até então. Era como se cada palavra carregasse uma centelha de emoção, conectando-me não apenas ao poema, mas a algo maior: à vida, ao mundo, ao amor pelo que é simples e verdadeiro.
Quando o declamei pela primeira vez em sala de aula, senti-me pleno. Era como se minha voz, tão pequena naquele momento, pudesse alcançar lugares que nem eu imaginava. Não era apenas o poema que ganhava vida, mas também eu. A cada verso, construía uma ponte entre minha infância e o futuro que, sem saber, já me esperava.
Hoje, adulto, essas palavras ainda vivem em mim. Sei que os literatos discutem a autoria desse poema, alegando que ele não pertence a Casimiro de Abreu. Mas no meu peito, ele é e sempre será dele, daquele que deu voz à minha infância. Foi assim que o conheci, e é assim que ele habita minha memória e coração.
O menino que fui encontrou nos versos um caminho de esperança, e a lição daquele poema foi como um farol. Ele me lembrou que mesmo em meio às lutas, havia beleza e bondade no mundo, um mundo que minha mãe tão bravamente ajudava a construir para nós. Hoje, a saudade é o direito que me resta, mas o que ela deixou em mim é eterno.
Esse poema foi o primeiro ato de amor que dediquei às palavras, e elas retribuíram, dando-me uma vida repleta de sonhos vividos e histórias contadas. Ele ainda abre dentro de mim um leque infinito, um mundo onde o afeto e a poesia são asas, e eu, menino e adulto, continuo a voar.