Por Ítalo Rocha Leitão*
Henrique Batista Duffles Teixeira Lott é um daqueles personagens da política brasileira que não devem nunca ser esquecidos pelas gerações da sua pós-existência. Nascido no Interior de Minas Gerais, o general entrou para a história como herói por causa de uma humilhação que sofreu, embutida num “chá de cadeira“, que levou de um presidente da República.
O ano era o de 1955. Juscelino Kubitscheck estava eleito para governar o Brasil pelos próximos 5 anos. Ganhara as eleições pelo PSD. Logo após o pleito, teve início uma campanha ferrenha, comandada pelo deputado federal Carlos Lacerda, contra a posse e pela anulação das eleições. Dono do jornal A Tribuna da Imprensa, Lacerda puxava o cordão com o argumento de que Juscelino se elegera sem a maioria dos votos (36%). Mas, a Constituição não dizia que era necessária essa maioria, bastava ser o mais votado dos candidatos. A regra era clara e tinha sido aplicada para seus antecessores e teria que ser também para ele. Outros jornais também abriram espaço para as intenções dos golpistas. Sorrateiramente, Lacerda pregava que a volta de Juscelino era também o retorno do Getulismo. Nos meios militares, também crescia o movimento contra JK.
No primeiro dia de novembro daquele ano, um sábado de muita chuva no Rio de Janeiro, o ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, saiu de casa para ir ao enterro do general Canrobert Pereira da Costa, vítima de câncer, ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Canrobert estava em evidência por ser, dentro do Exército, uma voz estridente contra a posse do presidente eleito. Ao pé da cova, um coronel do Exército, Jurandir Mamede, quebrou o protocolo e fez um discurso inflamado contra a posse do presidente eleito. O ministro Teixeira Lott fechou a cara. Se retirou sem aceitar os cumprimentos do coronel. Tinha uma visão rígida da disciplina militar. Não havia como aceitar o comportamento do coronel Mamede. As Forças Armadas, na sua opinião, tinham que ser legalistas e garantir a posse do vitorioso nas eleições de 3 de outubro de 1955.
Na memória do ministro da Guerra, outra imagem que o incomodou em todos os segundos que seu relógio marcou naquele fatídico dia foi o abraço efusivo que o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, dera no coronel Mamede, logo após o discurso golpista do militar. Assim como Juscelino, o deputado era mineiro e do mesmo partido do presidente eleito.
O fim de semana foi de muita angústia para o ministro da Guerra. Na segunda-feira, dia 3, os jornais deram destaque ao discurso do coronel. Lott ligou logo cedo para o gabinete da Presidência da República, no Palácio do Catete. Queria uma audiência com Café Filho, o vice que havia assumido a Presidência, no ano anterior, depois do suicídio do presidente Getúlio Vargas. O ministro Lott tinha pressa em levar um relato sobre o coronel Mamede ao presidente e comunicar que iria punir o militar por indisciplina e afronta à ordem legal. A via-crúcis do general para garantir a posse de JK tava só começando. Do outro lado da linha, veio o primeiro torpedo em direção ao ministro: O presidente Café Filho estava internado, no Hospital dos Servidores do Estado, desde a madrugada, com suspeita de problemas cardíacos.
Sete dias depois, com o presidente ainda internado, o ministro da Guerra foi chamado para ser recebido pelo presidente em exercício, Carlos Luz, o mesmo que abraçara o coronel Mamede em louvor ao seu discurso golpista. Antes da audiência, o general levou um chá de cadeira de 1 hora e meia. A humilhação foi vista por integrantes do alto escalão do governo. O diálogo foi de potência pra potência. Quando Lott ainda estava descrevendo o episódio, foi interrompido: “Não há o que punir!”. O tiro de Carlos Luz foi certeiro. Mas, o ministro não era de se entregar. Estava disposto a só fazê-lo “na morte e de parabelo na mão!”. E também disparou em direção a Carlos Luz: “A quem devo entregar o cargo?”. O Presidente em exercício não titubeou um segundo em responder: “Para o general Fiúza de Castro”. Lott se sentiu derrotado e se ofereceu a passar o cargo ao sucessor naquela mesma hora. Carlos Luz disse que podia deixar para a tarde do dia seguinte.
Já era noite e o general Lott recebeu, em casa, o general Odílio Denys, comandante da Região Militar do Rio de Janeiro. Contou a ele tudo que aconteceu naquela tarde, no Gabinete da Presidência da República. O comandante chamou o ministro para reagir. Ele não aceitou. Se despediram. Quando chegou a madrugada, Lott, que até então não havia conseguido dormir, levantou da cama, se aprontou e foi para a casa do general.
Estava amanhecendo o 11 de novembro. Seguiram para o Ministério da Guerra, já na companhia de outros generais. Ali, instalaram as bases militares para agir em nome da lei e da ordem.
O dia já tinha clareado quando Lott foi avisado que o presidente Carlos Luz estava ao telefone. Não foi atendê-lo. Estava ocupado. Tanques e outros veículos do Exército já eram vistos pelas ruas do Rio. Carlos Luz percebeu a situação embaraçosa que havia criado para si e para o governo e se refugiou num navio da Marinha, o cruzador Tamandaré. Com ele, ministros, assessores e o coronel Jurandir Mamede.
No decorrer dos fatos, com o presidente Café Filho hospitalizado e Carlos Luz refugiado, o general Lott conseguiu que o Congresso aprovasse o impedimento do presidente em exercício, que foi substituído pelo senador Nereu Ramos, presidente do Senado. Carlos Lacerda partiu para um exílio voluntário. O presidente Café Filho, depois de receber alta médica, teve seu impedimento também aprovado no Congresso. Em 31 de janeiro de 1956, Nereu Ramos passou o governo para o presidente eleito Juscelino Kubitscheck. O general Teixeira Lott chegou a concorrer à Presidência da República contra Jânio Quadros, nas eleições de 1960. Quatro anos depois, se retirou da vida pública por discordar do Golpe Militar de primeiro de abril de 1964. Morreu aos 89 anos, em 1984, no Rio de Janeiro.
Jornalista*