A morte e a lembrança nesse poeta paraibano são versos que transcendem
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – A intensidade singular de Augusto dos Anjos, um dos poetas mais inquietantes e profundos da literatura brasileira. Ao falecer em um dia como hoje, 12 de novembro, em 1914, aos 30 anos, ele deixou um legado poético marcado pela angústia existencial, pelo pessimismo e por uma visão visceral da vida e da morte. Seu único livro, Eu, publicado em 1912, ainda ecoa como um grito, uma sondagem íntima da alma humana.
Augusto dos Anjos foi um poeta à frente de seu tempo, movendo-se entre o Simbolismo e o Parnasianismo, mas com uma voz absolutamente única. Sua poesia, muitas vezes grotesca e anatômica, explora a decadência física, a inexorabilidade da morte e a decomposição. Como ele descreve em “Versos Íntimos”:
“Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.”
A forma de Augusto ver o mundo era moldada por sua introspecção, com influências que incluíam Charles Darwin, Schopenhauer e Edgar Allan Poe. Schopenhauer, com seu pessimismo, forneceu uma base filosófica à visão de mundo de Augusto, enquanto Darwin despertou-lhe o interesse por uma ciência que destrói ilusões de superioridade humana. Essa mistura de filosofia e ciência confere à sua obra uma originalidade que o torna, até hoje, incomparável.
Muitos escritores e críticos reconheceram sua genialidade. O crítico Otto Maria Carpeaux exaltou Augusto como um “poeta primitivo e bárbaro, violento e solitário”, observando a força única de seu estilo. José Lins do Rego, seu conterrâneo, também celebrava a força vital de seus versos e a profundidade do sentimento contido em cada linha. Ele dizia que Augusto era um “poeta do fundo”, alguém que se embrenhou nas camadas mais profundas do ser, revelando um universo até então inexplorado.
Na poética de Augusto, a morte não é apenas um fim, mas uma transição inevitável que abrange a biologia e o cosmos. Em “Psicologia de um Vencido”, ele fala da vida como um jogo de forças contraditórias que culminam sempre em derrota, na vitória final da morte:
“Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.”
Neste poema, o “filho do carbono e do amoníaco” confronta-se com a própria finitude, refletindo sobre a condição humana de uma forma cientificamente racional e ao mesmo tempo carregada de uma sensação trágica. Augusto dos Anjos foi único na fusão entre ciência e lirismo, entre o concreto e o espiritual, explorando não apenas o sentido da vida, mas o próprio mistério da existência.
Hoje, lembrar sua morte é reviver a força de sua voz, que permanece irremediavelmente viva e pulsante em seus versos. É contemplar o que há de mais inquietante no humano e reconhecer, com um frio na alma, que a grandeza de Augusto dos Anjos reside exatamente em sua capacidade de descortinar o que, geralmente, evitamos confrontar.
Se fosse possível enviar uma última mensagem a ele, talvez apenas agradeceríamos por sua coragem em desvelar o que muitos escondem: a visceralidade da existência, o “eu” que se dissolve na incerteza, mas que ecoa, para sempre, em sua densa e tensa poesia.