Jair Bolsonaro (PL), 69, afirmou considerar a eleição de Donald Trump à Casa Branca um “passo importantíssimo” para seu “sonho” de disputar a eleição de 2026 e voltar ao Palácio do Planalto em 2027.
“É igual a uma caminhada de mil passos, você tem que dar o primeiro, tem que dar o décimo. E o Trump é um passo importantíssimo”, disse à Folha o ex-presidente, para quem o republicano representará um recado de que sua inelegibilidade seria uma armação para tirá-lo da disputa.
Bolsonaro foi condenado em 2023 pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação após difundir mentiras sobre o processo eleitoral em reunião com embaixadores e utilizar eleitoralmente o evento do Bicentenário da Independência.
O ex-presidente está inelegível pelo menos até 2030 e ainda é alvo de outras investigações. Caso condenado pelos crimes da trama golpista, por exemplo, poderá pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.
Qual a sua avaliação sobre a vitória de Trump nos EUA?
Sempre tive um bom relacionamento [com Trump], ele tinha uma preocupação de que o Brasil não virasse uma Venezuela. Começamos a nos entender melhor sobre aço, etanol e outras questões. Falava com ele que um comércio norte-sul seria muito bom.
Eu pedi, e ele botou as Forças Armadas nossas como um grande aliado extra da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], onde passamos a ter tecnologia e material mais barato, mais rápido. E ele tinha interesse de fazer o Brasil como irradiador de democracia na América do Sul. A intenção maior dele era essa aí.
E como acha que essa vitória dele irá refletir por aqui?
Vai refletir no mundo. É um país que é a maior democracia do mundo, projeta poder, que fez valer a sua força, não tivemos conflito no mundo enquanto o Trump estava lá. E ele gosta de mim.
Acredito que só o fato da eleição dele, o que ele tem falado, de liberdade, Elon Musk [empresário e dono do X] está do lado dele, é um sinal para todo mundo de que ele quer uma democracia para o mundo.
Aqui no Brasil talvez fique um recado da própria eleição que queremos, cumprimento das leis, Estado democrático de Direito não da boca para fora, mas na prática.
Que comparação o sr. faz entre a sua situação e a dele?
Quase tudo o que acontece lá acontece aqui. Lá teve o Capitólio, que teve mortes. Tentaram de todas as maneiras colocar na conta dele. Lógico, ele é uma pessoa de uma diferença enorme em relação a mim, foi presidente de um país muito rico, fantástico, tem boas amizades com todo mundo, o cara é bilionário. Enfrentou a perseguição do Judiciário. Eu aqui me esquivo.
Mas não deixa de ser uma sinalização para cá de “faça as coisas direito”. Você conhece quem está do seu lado quando perde o poder. Alguns chefes de Estado ficaram na amizade. Um foi ele. Fui o último chefe de Estado a reconhecer a vitória do [Joe] Biden, ele não esquece isso. E eu sei o meu lugar perto dele. Eu estou para ele como o Paraguai está para o Brasil.
O resultado fortalece o desejo de o sr. voltar a ser presidente?
Ser presidente é uma merda. Eu não sei como é que cheguei à Presidência. Aconteceu. Dei o melhor de mim. Estava preparado? Não estava. Apesar de 28 anos de Parlamento, quando você vê aquela cadeira lá, cai para trás. Agora a minha pretensão [é a] de voltar. Eu tenho um sonho. Qual é o sonho? De ajudar o Brasil.
Esse seu sonho fica mais forte?
Passa por ele. É igual uma caminhada de mil passos, você tem que dar o primeiro, tem que dar o décimo. E o Trump é um passo importantíssimo. Eleger uma boa bancada. Hoje teria 20% da Câmara e 15% do Senado. É muito pouco. Acredito que vem uma bancada enorme em 2026 [no Senado].
Se essa bancada se confirmar, há alguma intenção de revanche com o Judiciário?
O simples fato de estar forte, não precisa ameaçar. O Parlamento, no meu entender, tem que ser o Poder de última palavra, o poder vem de lá, que tem o voto. Depois, o Executivo. Quem não tem o poder de se intrometer em nada é o Judiciário, o Judiciário é para resolver conflitos. O ser humano gosta de mandar e apareceu a brecha… Para o Lula está muito bom. Comigo tinha no mínimo uma intervenção do Supremo por semana.
O sr. disse que pretende ir à posse do Trump, mas por ora não pode [está com o passaporte retido e proibido de deixar o país devido às investigações da trama golpista de 2022].
Como pretende fazer?
Vou peticionar ao Alexandre [de Moraes, ministro do STF]. Ele decide. O Eduardo [Bolsonaro] tem amizade enorme com ele [Trump]. Tanto é que, de 85 convidados [Trump recebeu convidados em Mar-a-Lago, na Flórida, para acompanhar a apuração], ele foi e botou mais dois para dentro, o Gilson [Machado, ex-ministro de Bolsonaro] e o filho do Gilson. Ele me tem como uma pessoa que ele gosta, é como você se apaixonar por alguém de graça, né? Essa paixão veio da forma como eu tratava ele, sabendo o meu lugar.
E se o Moraes negar?
Se o Trump me convidar, vou peticionar ao TSE, ao STF. Agora, com todo o respeito, o homem mais forte do mundo… você acha que ele vai convidar o Lula? Talvez protocolarmente. Quem vai convidar do Brasil? Talvez só eu. Ele vai falar não para o cara mais poderoso do mundo? Eu sou ex. O cara vai arranjar uma encrenca por causa do ex? Acha que vou para os Estados Unidos e vou ficar lá?
Há dois anos querendo me incriminar como golpista, vai à merda, porra. O cara está há dois anos com a mulher, tô desconfiando que está me traindo e tô há dois anos dormindo com ela. E tô investigando, me traiu, não me traiu… resolve essa parada logo, tenha altivez. Manda soltar esses coitados que estão presos a 17 anos de cadeia.
O próximo passo então é a anistia?
Anistia para o 8 de janeiro. A minha [anistia] tem um prazo certo para tomar certas decisões. Acredito que o Trump gostaria que eu fosse elegível. Ele que vai ter que dizer isso aí, mesmo que tivesse conversado com ele, não falaria. [Mas] tenho certeza de que ele gostaria que eu viesse [a ser] candidato. Está na mídia, não sei se é verdade ou não, eu não falo sobre esse assunto, é o [Michel] Temer [MDB] de vice [texto de um blog tratou desse assunto recentemente].
Seria um bom nome para o sr.?
Não sei, não falo sobre esse assunto. Não descarto conversar com ninguém, até com você. Não sei… ele é garantista, é um ex-presidente. O impeachment [de Dilma Rousseff em 2016] abriu uma brecha para eu me candidatar. Não existe impeachment sem vice.
O sr. reconhece algum erro, como não ter reconhecido a vitória do Lula?
Eu jamais iria passar faixa para uma pessoa como o Lula. Mas o que faria diferente? Os ministros do Palácio [Casa Civil e articulação política, entre outros] teriam que ser políticos, não os que eu coloquei [militares]. Na relação com a imprensa, eu fui muito impetuoso muitas vezes.