O escritor chileno Skármeta, autor do romance “O Carteiro de Pablo Neruda”, morreu nesta terça-feira aos 83 anos
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Antônio Skármeta nos deixou neste 15 de outubro, e a dor de sua ausência parece apertar o peito. No entanto, a grandiosidade de sua vida ecoa em cada canto onde a literatura se entrelaça com a ternura, onde o amor e a liberdade caminham lado a lado. Em cada página escrita, em cada personagem que deu vida, o autor chileno soube nos ensinar sobre a beleza da simplicidade e o poder das pequenas ações.
Tive o privilégio de conhecê-lo em 2009, durante a Fliporto, o Festival de Literatura de Porto de Galinhas. Daquele encontro, surgiu uma amizade fraterna, cultivada através de correspondências nas quais falávamos sempre sobre cinema, literatura e, principalmente, sobre as questões sociais que tanto nos doíam. Ele tinha um olhar profundo para os excluídos, aqueles que muitas vezes o mundo abandona à própria sorte. Lembro-me de uma vez em que lhe perguntei: “Quanto de sonho um homem precisa para sobreviver nesse mundo cruel em que habitamos?”. E ele, com sua sensibilidade de escritor e poeta, respondeu de maneira delicada e inteligente, como só ele sabia fazer, mostrando que os sonhos, embora desafiados pelas realidades duras, são o alicerce de nossa existência.
Quatro anos depois, nosso caminho se cruzou novamente, numa viagem a São Paulo, onde nossa amizade se fortaleceu ainda mais, quando nos reencontramos na Feira do Livro do Colégio Miguel de Cervantes. Voltamos a nos ver, dessa vez em uma viagem ao Chile. Naquela ocasião, fui levado a refletir sobre a força da literatura latino-americana. Sempre acredito que o mundo da literatura é um tacho que arde e pesa como chumbo. O literato é um ser, permanentemente, em estado de exílio.
É impossível não lembrar O Carteiro e o Poeta, a obra que trouxe consigo a suavidade da poesia de Pablo Neruda e a força do amor ingênuo de Mario Jiménez. Mario, aquele jovem carteiro que, sem conhecer a profundidade das palavras, buscava no poeta um meio de conquistar a bela Beatriz. Ah, Beatriz… quantas Beatrizes habitam nossas vidas, pessoas que nos fazem querer ser mais, querer entender o mundo de uma maneira mais lírica, mais poética.
A vida para ele sempre se apresentou com esse encanto. Ele acreditava que o amor tinha uma linguagem própria e que a poesia poderia transformar o mais singelo dos gestos em algo eterno. O carteiro, com sua simplicidade, não buscava apenas as palavras; ele queria o sentido, o pulsar da vida que Neruda lhe ensinava a sentir. E o poeta, com sua grandeza, desvelava a Mario que o amor não se conquista, mas se cultiva — como uma metáfora, que exige tempo, paciência e a delicadeza de um olhar profundo.
Como não pensar agora no escritor, e imaginar que ele próprio foi esse carteiro, que percorreu os caminhos da vida carregando poesia e histórias para todos os que tiveram a felicidade de cruzar seu caminho? Sua literatura, sempre envolvida pelas dores e as esperanças do Chile, também era uma carta de amor ao mundo. Ele soube como poucos narrar a vida comum com uma beleza que nos faz parar e refletir sobre o que realmente importa.
Seus livros, como O Carteiro e o Poeta, nos mostraram que as palavras são capazes de abrir portas para o amor, para a liberdade e para a justiça. Ele não apenas escrevia, ele nos abraçava com suas histórias. Ensinava a amar o impossível, a lutar pelo que acreditamos e a nunca desistir de nossos sonhos.
Hoje, enquanto tentamos lidar com sua partida, podemos sentir que o mundo ficou um pouco mais vazio. Mas também sabemos que nos deixou um legado que jamais desaparecerá. Suas histórias estão guardadas em nossos corações e nos fazem olhar o mundo com mais ternura. Talvez, assim como Mario, estejamos sempre em busca das palavras certas para expressar o que sentimos. E, com sua delicadeza e sensibilidade, ele nos mostrou que, às vezes, o mais simples dos gestos — como o voo de uma metáfora — pode conter o infinito.
Que a saudade por ele seja como a poesia: eterna e suave. E que, enquanto escrevo essa crônica, possa sentir que ele ainda está aqui, falando aos ouvidos a beleza das palavras que nos deixou.