Josias de Souza
do UOL
Vinte anos depois de comprar o Aerolula, Lula anunciou que decidiu adquirir um novo avião presidencial. Disse ter aprendido uma “lição” com a pane ocorrida há dez dias, no avião presidencial, após decolagem no México. Declarou que um presidente da República não pode “correr riscos”.
Para Lula, “é uma vergonha o Brasil não se respeitar”. Antecipando-se às críticas, afirmou que “a ignorância não pode prevalecer”, pois a nova aeronave , “não é para o Lula, Bolsonaro ou Fernando Henrique Cardoso, é para a instituição, quem quer que seja eleito.”
SEM SENTIDO – De fato, não faz sentido submeter um presidente da República a “riscos”. Entretanto, a alegação de Lula vale apenas até certo ponto. O ponto de interrogação. Há uma semana, o comandante da Aeronáutica, Marcelo Damaceno, fez declarações que vão em sentido contrário.
“Esse avião não tem despejo de combustível”, disse Damaceno, ao explicar o sobrevoo sobre a Cidade do México por quase cinco horas. “A opção foi fazer a espera. Eu estava em contato com a cabine, fizeram tudo nos conformes. Eu não tive nenhuma preocupação, acompanhei toda operação.”
Damaceno também defendeu a compra de outro avião. Nada a ver, porém, com a segurança. “Esse avião completa agora 20 anos. É muito seguro, mas ele tem autonomia que nos atende em parte. Um país como o nosso deve ter um avião maior, com mais autoridade para levar o presidente.”
EXPLICAÇÕES – O chefe da Aeronáutica disse que uma investigação foi aberta para determinar as causas da pane. “Quero, o mais rápido possível, ter um relatório preliminar para saber.” A exemplo de Damaceno, o país também quer saber o que houve no México.
O anúncio da compra do Aerolula 2.0, feito antes que a Força Aérea Brasileira informe o que motivou a pane, acomoda a charrete à frente dos cavalos. O déficit de explicações envenena a decisão de Lula, fornecendo material para os críticos.
Para complicar, o inquilino do Planalto disse ter encomendado ao ministro José Múcio (Defesa) proposta para a aquisição não de um avião, mas de uma frota. “Vamos comprar alguns outros aviões, porque é preciso que os ministros viagem.”
COÇANDO EM BRASÍLIA – Nas palavras de Lula, “não se governa” um país como o Brasil “com ministro coçando em Brasília”. Em certas nações desenvolvidas, onde os responsáveis pelo cofre não precisam ralar para obter o equilíbrio de caixa, ministros carregam a própria bagagem e entRam na fila do check-in ao lado dos cidadãos que pagam a conta.
Lula acertou no olho da mosca ao dizer que “a ignorância não pode prevalecer” no debate sobre a compra de aviões que ornamentam o hangar da Base Aérea de Brasília.
Nessa matéria, alguém que decide renovar a frota sem oferecer explicações razoáveis ao contribuinte corre o risco de ignorar sua própria ignorância.