André Mendonça pede manifestação da PGR sobre caso Silvio Almeida

  Por Malu Gaspar, de O Globo

O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pedido de da Polícia Federal para investigar acusações de assédio sexual e moral cometidos pelo ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida.

Uma das vítimas de abuso teria sido a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que na semana passada afirmou, em uma reunião com o presidente Lula, ter sido assediada por Almeida.

O caso tramita sob sigilo no Supremo, mas a informação foi confirmada pelo blog por fontes que acompanham de perto os desdobramentos da apuração. Almeida nega as acusações, que levaram à sua demissão do governo na semana passada.

A PF entende já ter reunido elementos suficientes para abrir o inquérito, mas os investigadores desejam um esclarecimento sobre qual a instância onde o caso Silvio Almeida deve tramitar para não abrir margem para questionamentos futuros e nulidades da investigação em um momento posterior.

Os policiais também aguardam uma definição do Supremo para só depois colher mais depoimentos na investigação – na última terça-feira (10), a PF ouviu o relato de uma mulher que relatou um episódio de assédio sexual supostamente cometido pelo agora ex-ministro de Lula.

Um dos pontos centrais desta etapa investigação é a definição da questão do foro privilegiado, um tema que o Supremo frequentemente revisita, mas que ainda tem algumas pontas soltas.

Em 2018, a Corte reduziu o foro para os crimes cometidos no exercício do mandato e em razão do cargo. Mas em um julgamento iniciado em abril deste ano – e ainda não concluído –, o tribunal formou maioria para ampliar o foro, incluindo os crimes que envolvam uma autoridade que é investigada por crimes cometidos no exercício do mandato e em razão do cargo, mesmo quando ela já deixou esse cargo depois.

O resultado desse julgamento, em tese, poderia atingir Silvio Almeida e trazer reflexos para as investigações do ex-presidente Jair Bolsonaro, que não ocupam mais os cargos da época dos fatos apurados.

Mas a discussão no Supremo não foi finalizada em abril por conta de um pedido de vista justamente de André Mendonça, sorteado como relator do caso do ex-ministro dos Direitos Humanos.

Por isso, a decisão que o ministro tomar nesse caso de Silvio Almeida também está sendo encarada pela PF como uma antecipação de voto que está pendente, já que irá expor o seu entendimento sobre o tema.

Na cúpula da PGR, interlocutores do procurador-geral da República, Paulo Gonet, avaliam reservadamente que a maioria formada em abril pode, sim, abrir espaço para manter o caso Silvio Almeida no STF.

Dentro do time jurídico que vem assessorando o ex-ministro dos Direitos Humanos ainda não foi fechada a estratégia para enfrentar a questão do foro, segundo a equipe da coluna apurou.

Isso porque um dos pontos que interlocutores de Almeida pretendem esclarecer é qual a relação dos casos sob investigação com o cargo que ele ocupou no governo Lula, já que a regra do foro fala “em função do cargo” – e há pelo menos um caso de denúncia anterior ao período em que ele chefiou a pasta de Direitos Humanos.

“Qual a relação que esses casos têm em função do cargo? E ser um ministro de direitos humanos dava a ele uma ascensão hierárquica à outra ministra? Orçamento é critério de hierarquia?”, questiona um interlocutor de Almeida sobre as acusações, especialmente de Anielle.

‘Climão’ no STF

O pedido da PF sobre as denúncias contra Almeida marca a segunda vez que André Mendonça e Silvio Almeida se “enfrentam” nos autos de um processo no STF.

Em setembro do ano passado, o caso do desembargador Jorge Luiz Borba, de Santa Catarina, acusado de manter uma empregada doméstica surda em condições de trabalho análogas à escravidão provocou um climão no Supremo entre os dois.

Almeida era ministro, e na ocasião, Mendonça manteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que havia autorizado o desembargador a ter contato com a empregada doméstica.

Depois da decisão do STJ, ela decidiu voltar a morar na casa do desembargador.

Silvio Almeida então mandou um e-mail para o gabinete de André Mendonça.

“Sabedores do compromisso de Vossa Excelência para com os mandamentos constitucionais, sirvo-me do presente para demonstrar preocupação com o caso e suas repercussões para os direitos da senhora Sônia Maria de Jesus e para o respeito aos direitos humanos em geral, notadamente das pessoas com deficiência”, escreveu Silvio Almeida.

O então ministro de Lula lembrou que a decisão de Mendonça negou uma liminar pedida pela Defensoria Pública da União, que pretendia impedir o retorno de Sônia à casa do desembargador – e alertou para os “fortes indícios de versões contemporâneas de escravidão” no caso da empregada doméstica.

Mas, em vez de responder ao e-mail, André Mendonça escancarou o mal-estar provocado pelo texto e transformou a mensagem em petição, abrindo, na prática, um novo processo no STF para tratar do assunto e cobrando de Silvio Almeida que apresentasse documentos que mostrassem o que fez para “proteger os direitos e interesses” de Sônia Maria de Jesus.

Almeida respondeu Mendonça, e o caso acabou arquivado. Desta vez, porém, o “embate” entre o ministro do STF e o ex-ministro de Lula pode ter consequências bem mais sérias.