Mario Sergio Conti
Folha
Pelo último Datafolha, Nunes, Marçal e Marina Helena, os candidatos bolsonaristas, teriam hoje 49% dos votos no ilustre pleito paulistano. Boulos, Tabata e Datena, que se opõem aos sequazes do infausto ex-presidente, somam 40% dos eleitores. A tristeza no coração é como a traça no pano, diria Camões.
Levando em conta apenas o sufrágio na pauliceia no segundo turno, Lula teve 53% dos votos e Bolsonaro 46%. A situação agora é outra. A extrema direita venceria com folga uma eventual frente de seus adversários. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
ARGUMENTOS – Uns acham a comparação descabida porque a lógica da eleição presidencial difere de uma municipal. Outros dizem que os dejetos deixados por Bolsonaro foram tais que não deu para desentupir o Brasil. As coisas árduas e lustrosas só se alcançam com trabalho e com fadiga.
Piedosos creem que o governo claudica porque as chantagens do Congresso o impedem de deslanchar. Mas mesmo eles admitem, na muda madrugada, que Lula não correspondeu às esperanças nele depositadas —”até agora”, adicionam— e um fraco rei faz fraca a forte gente bandeirante.
A indústria cultural catapulta aspirantes à política. Reagan foi um canastrão de Hollywood até interpretar o papel de presidente dos Estados Unidos. Milei saiu de um programa de rádio para a Casa Rosada. Zelenski fez sucesso como comediante na televisão e se elegeu presidente da Ucrânia.
EMPULHADOR – São Paulo se preparou por décadas para parir Datena. De disforme e grandíssima estatura, ele é um estranho colosso que empulha incautos paulistanos com um tom de voz horrendo e vicioso.
Jânio Quadros foi o Vasco da Gama dos presidentes histriões. Collor lhe seguiu a caravela com a fatiota de soldadinho de chumbo, canetas Mont Blanc e camisetas com dizeres de autoajuda. Bolsonaro faz o gênero tiozão boçal: eructa palavrões, expõe a pança obscena, tira onda com jet skis, toma tubaína em padaria.
Cada qual com suas bizarrices, os três mandatários laborfóbicos trombetearam a moralidade e foram corruptos do cocuruto à cauda. As instituições pátrias, torpes e podres, não os puseram a ferros nem por uma tarde. Marçal tem o que aprender em matéria de achincalhe, mas aprende rápido.
FIGURA SOMBRIA – Desde já ele desfila o semblante tenebroso, a barba esquálida, os olhos encovados, a postura medonha e má, a cor terrosa, a bocarra sombria, o boné na testa enterrado, os caninos afiados por um odonto-veterinário.
O PT bateu o pé para que Marta Suplicy fosse candidata a vice de Boulos, e o PSOL a festejou com tubas suaves e canoras. Alegou-se que madame era benquista na periferia. E se relevou que defendeu a destituição de Dilma com denodo, a ponto de ofertar mimosas flores a Janaína Paschoal, a chefe do pessoal do impeachment.
Mal iniciada a campanha, trancaram Cinderela no sótão. Não sai da toca principesca nem para ir ao cabeleireiro. Não deu para entender. Em todo caso, ninguém sentiu sua falta. Seria fácil evitar a vileza nos debates eleitorais: é só não chamar Marçal para eles. Que vá latir e grunhir no raio que o parta. Não se amplia a voz dos imbecis, disse Millôr.
MENOR AUDIÊNCIA – Está certo que a audiência dos debates cairia; a indústria da indignação perderia alento; a casta comentadora —inclua-me nela— teria um tema a menos para cantar a gente surda e endurecida. Pensando bem, viva a liberdade de expressão —e a hipocrisia.
Morreram 710 mil brasílicos na pandemia. Na cidade de São Paulo, 49 mil pereceram até maio passado. Quantos estariam vivos se Bolsonaro não recusasse 11 ofertas de vacinas? Em vez disso, receitou cloroquina, riu-se das máscaras, defendeu aglomerações, disseminou a Covid às mancheias.
Bolsonaro foi criminoso. E nossos ínclitos políticos, nossos vibrantes juízes e nosso iracundo Ministério Público não tiraram o buzanfã da poltrona para investigar quantos morreram por sua causa. Como não o incriminaram, segue aspergindo males e arengando a malta.
FUTURO ALCAIDE – Nunes, o magriço, Marçal, o beócio, e Marina Helena, a inócua, são bolsonaristas, logo negacionistas. Têm por quem matou, lealdade. Um deles poderá ser o futuro alcaide. O que fará se outra pandemia se abater sobre a cidade? É uma questão de tempo até ela ocorrer, dizem epidemiologistas. Que Hipócrates nos proteja.
Até agora há só sinais de fumaça. A eleição crucial será em 27 de outubro. Até lá muito pode mudar. Cesse tudo o que a antiga musa canta, que outro valor mais alto se alevanta.