VELHOS TEMPOS, BELOS DIAS. Por CLAUDEMIR GOMES

Por CLAUDEMIR GOMES

O torcedor brasileiro foi dormir travado. Aliás, não dava pra dormir com um barulho daqueles. Perder para o Paraguai – 1×0 – uma seleção que em sete partidas havia feito apenas um gol. É muito moído na cabeça de uma massa que se vangloria por ter seu País como único pentacampeão do mundo. Mas tudo muda, e no futebol também vivemos novos tempos.

Confesso que mantenho uma luta permanente contra o saudosismo. Evito comparações. Tudo tem seu tempo. Mas depois de ver mais uma apresentação bisonha da seleção comandada por Dorival Júnior; de assistir um grupo de jogadores milionários pisando na bola, foi inevitável não lembrar do rei Roberto Carlos com sua inesquecível Jovens Tardes de Domingo: “Velhos tempos, belos dias”.

O caldo azedou, o filé desidratou, mas o ufanismo da nova mídia insiste em arrotar bife de Angus quando come carne de pescoço. Calma, meu senhor! O produto está deteriorado. Já ultrapassamos a era do rádio. Nos dias de hoje a televisão mostra tudo, até a exagerada e irritante dissimulação dos jogadores dentro das quatro linhas. Obviamente que tudo com a anuência de treinadores despreparados para um cargo de tal envergadura, e a proteção de empresários que ditam as ordens no negócio chamado futebol.

A magnífica, Cora Coralina, em um dos seus poemas nos diz: “Nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas”.

O futebol já foi a tradução maior do que é emoção para o povo brasileiro. Foi apontado como o nosso ópio. Enfim, nossos artistas, virtuosos, gênios e deuses de uma arte praticada com os pés, faziam com que nós nos sentíssemos GIGANTES.

Nos anos 80, do século passado, a Seleção Brasileira se preparava na Toca da Raposa, concentração do Cruzeiro, em Belo Horizonte. Fui escalado pelo mestre, Adonias de Moura, para cobrir uns dias de treinos, e acompanhar o time dirigido pelo mestre Telê Santana, em dois jogos: um em Porto Alegre, e o outro em Assunção, no Paraguai. Quem viajou comigo foi Francisco Silva, editor de fotografia do Diário de Pernambuco.

O jogo no Rio Grande do Sul foi num sábado a tarde, e no domingo seguimos para Assunção. Francisco Silva (Chico), era um homem rude, um cabra macho pouco polido, mas carregava consigo uma pureza pouco comum. Um gigante na execução do trabalho. Enfim, suas qualidades lhes levavam a estar sempre cercado de amigos.

Sabíamos das dificuldades que encontraríamos no Estádio Defensores del Chaco. Os fotógrafos formaram um grupo: Chico (Diário de Pernambuco); Celso Meira de Vasconcelos (O Dia); Jorge Gontijo (Estado de Minas); Jair (Jornal dos Sports) e Mota (Motão), da Folha de São Paulo. Definiram um cronograma de ações para não deixar escapar nada.

Ao chegar no estádio, não havia lugar para todos os jornalistas na tribuna de imprensa. Fui assistir o jogo junto com os fotógrafos. Ao ver meu posicionamento, Motão me entrega uma de suas máquinas, coloca no foco e passa as instruções como se estivesse antevendo os fatos.

– Você sabe os que os jogadores vão fazer. Quando sentir que a jogada vai evoluir, segure o dedo e deixe a máquina trabalhar, ordenou com a confiança de quem dominava a arte de fotografar.

Em determinado momento, quando vi Renato Gaúcho dominar a bola, se desvencilhar do marcador e disparar em velocidade, não tive dúvidas: peguei a máquina e segurei o dedo. A sequência de 36 fotos me trouxe Renato cruzando e Casagrande subindo para cabecear e marcar o gol da vitória do Brasil. O filme acabou e a máquina fez um barulho estranho.

No intervalo do jogo Mota veio pegar a máquina e eu lhe disse: “Fiz o gol, mas acho que a máquina quebrou”. Ele saiu sorrindo.

À noite, de volta ao hotel, quando entro no apartamento havia mais de cem fotografias do jogo. A sequência do gol exposta e todos os profissionais dos diferentes jornais comemorando.

Ontem a noite, após a derrota do Brasil para o Paraguai (1×0), numa das piores apresentações que já vi da Seleção Brasileira, fiquei a pensar como estava sendo a farra dos fotógrafos do jornal ABC Color de Assunção.

Sem sofrimento, mas lembrei com saudade do tempo que se foi.

“Velhos tempos, belos dias”.