Por Cícero Belmar – Jornalista, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras
Um dinossauro pode até ser simpático às novidades tecnológicas, mas de vez em quando ele vai ter crises de nostalgia. Faz parte da natureza dos lagartões estar com uma pata no presente e outra no passado. Hoje, a ficha caiu e já aproveito para me inscrever voluntariamente como candidato a objeto de pesquisa arqueológica. Sou um dinossauro.
Não chego a ser dos grandões. E sou domesticável. Quero dizer com isso que pareço resistente às novidades da tecnologia até elas se tornarem essenciais no cotidiano. Fico desconfiado enquanto não me adapto. Foi assim quando começaram as transações bancárias pelo smart. Eu ficava não digo com uma pulga, mas com uma criação inteira, atrás da orelha.
A última é essa história de carros autônomos. Isso cabe na cabeça de um tiranossauro-rex? Nem por um decreto. Matéria jornalística que leio num site de notícias conta que já circulam carros de aplicativos, nos Estados Unidos, sem o motorista. O automóvel chega sozinho, programado por um computador, e estaciona justamente na rua, no ponto, para onde foi solicitado. O passageiro embarca e boa viagem!
Não há quem faça eu entrar num carro desses. Lendo o texto da reportagem, eu me enxerguei como um daqueles gigantes pré-históricos. Não tenho vergonha nenhuma em dizer que prefiro ir a pé. Penso no trânsito caótico do Recife, sobretudo nas horas de pico. Até o mais frio dos robôs se estressa e, nas ocasiões, as regras de trânsito servem apenas como declaração de intenção.
Se um carro com motorista bate no outro, imagina sem condutor. Isso não dá para mim. Posso antever o risinho no canto de boca dos modernos diante do meu questionamento, mas eu fico pensando: quem usa o freio ou quem passa as marchas na ausência do motorista? Comentei sobre a matéria do site com uma colega do trabalho e ela me respondeu, do alto de sua juventude, que as inovações estão aí para facilitar a nossa vida.
Sem dúvida. Não sou contra as tecnologias, mas realmente as novidades estão chegando num trem-bala. Dá receio porque mexem com o nosso estilo de vida, com o nosso senso de propósito. As inovações já chegam nos afastando de uma hora para a outra das coisas que estávamos acostumados. Aceitar tudo, de supetão, me perdoem, é não se importar em perder a identidade. Sou um dinossauro com crises de nostalgia.
Muito embora eu não tenha saudades, por exemplo, da época dos ônibus elétricos no Recife. Eles circulavam graças a duas hastes que os prendiam à rede elétrica da rua. Os elétricos eram carroças não poluentes, abastecidas em movimento. Mas bastava uma queda de energia por onde o veículo estivesse circulando para ele empacar. Sim, foi no século passado. Mas, desde então não se passaram mais que 30 anos.
O site que fala do carro autônomo diz que eles têm muitas vantagens, pois foram planejados para evitar acidentes, poluição sonora e emissão de gases. E tem mais, esses veículos estão equipados com um sensor que mensura distância, identifica obstáculos e reduz o número de acidentes.
É inevitável que esses argumentos nos façam olhar com simpatia para os carros malassombrados. Dinossauro volúvel, reflito: os carros autônomos não foram criados exclusivamente para desafiar minha visão de mundo.
Venho de uma espécie jurássica, mas, para usar expressões próprias dos nossos dias, convém dizer que o software que controla as minhas funções é que está com um comportamento conservador. Preciso de um novo.
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Cícero Belmar é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Pernambucano, mora no Recife. Já ganhou duas vezes o Prêmio Literário Lucilo Varejão, da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife; e outras duas vezes o Prêmio de Ficção da Academia Pernambucana de Letras. É membro da Academia Pernambucana de Letras.