Merval Pereira
O Globo
A notícia de que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, além do ministro aposentado recentemente Ricardo Lewandovsky, estiveram no churrasco que o presidente Lula organizou na sexta-feira no Palácio Alvorada, juntamente com ministros do Governo e lideranças partidárias, não causou espanto pela frequência com que ministros do Supremo se encontram em Brasília com políticos, advogados e empresários em reuniões informais, mesmo quando esses respondem a algum processo que está ou poderá estar em votação no STF.
O tema do churrasco, por exemplo, era como enfrentar a rebelião no Congresso que esvaziou a política ambiental do governo. O caso pode parar no Supremo, mas essa possibilidade não inibiu os ministros.
PODER PROMÍSCUO – O fato se repete, não apenas em governos petistas, mas também no de Bolsonaro, além de conversas reservadas com presidentes como Michael Temer. Considerado o mais influente ministro do Supremo, Gilmar Mendes encontrou um concorrente à altura em manobras de bastidores no ministro Alexandre de Moraes, assim como já tivera no ministro Luis Roberto Barroso um constitucionalista de saber tão reconhecido quanto o seu.
Essa promiscuidade brasiliense não é prerrogativa da nossa capital, embora a discrição seja maior na maioria dos países. A Suprema Corte dos Estados Unidos, tida como exemplar na ação jurídica silenciosa e isenta, nos últimos anos tem revelado uma série de comportamentos fora da curva.
Recentemente, o ministro Clarence Thomas foi denunciado pela amizade com o bilionário Harlan Crow, grande doador do Partido Republicano e ativista das causas conservadoras. Thomas costumava passar férias em companhia de Crow, em passeios de iate ou viagens em jatos particulares.
EXEMPLOS LAMENTÁVEIS – A amizade é tão grande que o bilionário comprou da família Thomas a casa onde mora a mãe do juiz e outros terrenos em volta, alegando que um dia quer montar um museu em homenagem ao juiz da Suprema Corte.
Outro que teve sua aparente higidez moral posta à prova foi o juiz Antonin Scalia, encontrado morto em um resort de luxo no Texas depois de participar de uma caçada, em companhia de 40 amigos.
Esta foi a última de cerca de 85 viagens de caça e pesca com políticos e empresários. Tinha fama de “fazer qualquer coisa se você o levasse a uma caçada”, dizia o advogado Mark Lanier, que o levou em um avião fretado para caçar javalis. Um ícone da direita conservadora dos Estados Unidos, Scalia era considerado uma sumidade do constitucionalismo americano, o mais brilhante de sua geração.
NOVO PODEROSO – O ministro Alexandre de Moraes é o novo poderoso de Brasília, com o destaque que têm tido suas ações, muitas vezes contestadas, mas indubitavelmente relevantes para a defesa da democracia.
O inquérito sobre as fake news, junto com a investigação sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, deram a Moraes destaque capaz de torná-lo decisivo em situações delicadas, como o julgamento do ex-presidente Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que preside.
Movimentou-se para que as duas vagas abertas no Tribunal fossem preenchidas por indicações suas, o que aconteceu em tempo recorde.
NOMEAÇÕES IMEDIATAS – Num dia, Moraes teve um almoço com o presidente Lula, no dia seguinte os dois advogados estavam nomeados. Moraes agora controla totalmente o plenário do TSE, o que o transforma em um poderoso partícipe do jogo político de Brasília.
Antes mesmo de ter conseguido nomear dois advogados ligados a ele, Alexandre de Moraes já conseguira a condenação, por unanimidade, do ex-promotor da Lava-Jato Deltan Dallagnol, que perdeu seu mandato de deputado federal no TSE.
Além do voto de relator, os demais ministros levaram cerca de 1 minuto para condená-lo, votação tida como articulada por Alexandre de Moraes, que queria uma decisão sem dissidências para fortalecer o tribunal. Pelo menos um ministro garantiu a Dallagnol que votaria a seu favor, mas mudou de ideia.