Por José Paulo Cavalcanti Filho – Escritor, poeta, membro das Academias Pernambucana de Letras, Brasileira de Letras e Portuguesa de Letras. É um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade
Lisboa. A Reforma Tributária, tão esperada por todos e tão festivamente anunciada pelo governo Lula, deve ser vista com (muito) cuidado. E vou começar essa conversa lembrando que o professor Arthur Laffer (da Universidade de Chicago), ao examinar a Hawley–Smoot Tariff Bill (1930), enunciou tese que acabou conhecida como Curva de Laffer. Para ele, a arrecadação pode ser aumentada só até certo limite. Após o que, a cada novo tributo, ela diminui. Ocorre que, ao enunciar sua Curva, Laffer imaginava que dito limite se daria por volta de 70% do PIB. Posteriormente (1984), os professores Cristina e David Sobel (da Universidade de Berkeley) estudaram melhor sua planilha. E chegaram a um patamar diferente, bem menor e hoje consensualmente aceito pelos economistas, de 33%. A partir daí, a sociedade recusa-se a pagar mais. E começa a se proteger. Com evasões e práticas poucos nobres, por vias lícitas ou ilícitas, esse o mundo real. Sendo bom lembrar que, no Brasil, andamos bem acima desse limite prudencial, já perto dos 40%. Quase o dobro da média dos demais países da Latino-América. E não dá mais para aumentar tributos. Simplesmente isso. Ou não daria, se bom senso houvesse.
Certo que a Reforma Tributária proposta pela PEC 45/2019, e apoiada pelo governo, passa a concentrar a tributação no consumo. Sobretudo com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços ? IBS, uma espécie do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) em vigor no Primeiro Mundo. Em substituição a IPI, ICMS e outros tributos com a mesma lógica. Problema é que União, Estados e Municípios querem mais. O desejo explícito desses todos, declarado quase, é sempre só a elevação da carga tributária. Razão pela qual já se pode pressentir que não vai dar certo.
Começando pelos municípios, faz pouco os prefeitos fizeram a 24ª Marcha de Brasília. E já receberam promessas da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de que vai haver aumento de receitas para eles. Mesmo com o ministro Haddad declarando, aos prefeitos da tal Marcha, que “o sistema brasileiro é o mais caro do mundo”. Para ser coerente, jamais se poderia corresponder a essas demandas tornando tudo ainda mais caro. E vai “aumentar receitas”, palavras de Tebet, a partir de onde? O governo silencia.
Se falo em prefeituras, toco apenas em um ponto que poderia engordar suas contas. Faz pouco perguntei ao amigo Rui Moreira, prefeito do Porto (Portugal), três vezes eleito por fora dos partidos políticos como candidato independentemente (lá pode, aqui não), qual seu salário. De 1.500 euros, respondeu. Cerca de 8 mil reais. E qual o salário dos vereadores? Só para lembrar, o Brasil é o único país do mundo em que vereadores recebem salários. Lá se chamam Conselheiros Municipais. E é de 35 euros por sessão, a cada comparecimento. Cerca de 200 reais. O suficiente para táxi e um lanche. Com duas sessões por mês. As reuniões se dão na própria sala do prefeito. Custo zero para a prefeitura. Segundo nossa Constituição (art. 29-A), os totais de despesas com Câmaras de Vereadores, no país, variam entre 7% (municípios com até 100 mil habitantes) e 3.5%, (para os que tenham mais que 8 milhões). O Recife está na faixa dos 4.5%. Para quem goste de comparações, nossa Câmara de Vereadores do Recife custou, só no ano passado (2.022), quase 220 milhões (mais exatamente, 219.352.890,50). Recursos que poderiam ser destinados a outros gastos do município, inclusive educação e saúde, sem que fosse necessário qualquer aumento de arrecadação com novos tributos.
Nos estados basta ver que primeira coisa que fizeram, este ano, foi voltar os tributos sobre combustíveis. Quando todos os contribuintes desejam redução no preço, até para ajudar na recuperação econômica do país depois de uma pandemia. Como uma ironia sem sentido, o ministro Haddad falou em nome dos 27 governadores dizendo que a reforma “coloca o cidadão acima de tudo”. Assim, como?, senhor ministro. Cobrando ainda mais? Fosse pouco, o ministro Alexandre de Moraes ignorou o Congresso Nacional e já autorizou os estados a compensar as perdas tidas, no governo passado, com o “teto do ICMS”. Mesmo com lei determinando essa redução. Para o Supremo, o Congresso vale muito pouco. Ou nem isso.
Já com relação ao Governo Federal, a marca é a da gastança desenfreada. As primeiras medidas foram simbólicas. Como dobrar o número de ministérios (para acomodar aliados), com enorme aumento da máquina. Ou criar quatro cargos de Adidos Tributários, nas embaixadas de países que falem português ou espanhol, com salários de 100 mil reais. “Para quê?”. Como o gaúcho “em louca arrancada”, do mestre pernambucano Ascenso Ferreira (Gaúcho), “Pra nada!”. No caso, até agora, para acomodar irmãos de ministros. Seria cômico… O salário mínimo já aumentou além da inflação. É pouco, sei bem. Só que são 4 bilhões a mais, por ano, para a Previdência.
Acrescente-se 50 bi para limpar contas dos devedores, às custas do BNDES, promessa de campanha. A elevação da faixa de isenção do IR, outra promessa de campanha, que segundo a XP Investimentos vai corresponder a mais 216 bilhões em 4 anos. E ainda 9 bilhões (por enquanto) para a Argentina, imitando um roteiro que conhecemos bem, imitando Angola, Cuba, Venezuela. E de onde vem tanto dinheiro? Vamos emitir? Se for, a inflação vai explodir. E ninguém se espante caso surja um Imposto sobre Dividendos, bem distante dos padrões do Primeiro Mundo. Ou um Imposto sobre as Grandes Fortunas, que não existe em nenhum país importante do planeta. E nem se sabe o quê, mais. Única certeza, portanto, é que vamos ter (ainda) mais impostos.
Segundo especialistas, também vem por aí um novo “Arcabouço Fiscal” a ser proposto pelo governo. Problema é que, segundo os jornais, destoa de quase todos os países que adotaram Regra Fiscal similar. E, segundo os economistas, ele só correria o risco de funcionar bem quando ocorresse: a) grande aumento de arrecadação, que não haverá; b) grande crescimento do PIB, também não; ou c) grande inflação, essa bem provável.
Para sorte nossa, são só previsões de gente que tem errado muito. E é sempre bom lembrar Roberto Campos (As melhores frases…) que dizia “Há 3 maneiras de o homem conhecer a ruína: a mais rápida é pelo jogo; a mais agradável, com as mulheres; a mais segura, seguindo os conselhos de um economista”. Ou lord (John Maynard) Keynes, em frase que lhe é atribuída, “Para o economista prever o passado representa a glória, e descrever o futuro sua perdição”. Provavelmente não será dele. A mais parecida com esta que encontrei, na sua obra (em Teoria geral do emprego), foi “A verdadeira dificuldade não está no aceitar ideias novas, mas escapar das antigas”.
Em resumo, brasileiras e brasileiros, dois caminhos estão traçados: para os pessimistas, chorar; e, para os otimistas, rezar. Muito.
ps – Foi cassado Dalton Dallagnol, Deputado Federal mais votado do Paraná (344.917 votos). É tempo de vingança. De sangue. A Democracia chora.