Por Flávio Brayner – Escritor e Professor Emérito da UFPE
Suspeito que os supostamente frágeis, os desamparados, os historicamente oprimidos
sempre terminam por ganhar um “DIA”: Dia do Índio, da Consciência Negra, da
Mulher, da Criança, do Professor… Nunca ouvi falar do Dia do Tirano, do Macho, do
Senhor de Escravos, do Carrasco! A Educação, provavelmente uma entidade frágil, tem
também seu DIA, que acabou de passar. Receio que sua suposta fragilidade exija que
lhe reservemos um DIA para que não a esqueçamos? O que faremos neste dia?
Educaremos alguém, como quem dá um presente ao papai no Dia dos Pais? Daremos
um aumento substantivo a todos os educadores?
Nós entendemos, mesmo que de forma imprecisa e intuitiva, que não nascemos com
uma “natureza” (que é essência) humana: se acreditássemos nisso não precisaríamos de
educação para adquirir os atributos que nos fazem “humanos” (o chamado Menino-
Lobo, Victor, mostrou que a coisa pode ser bem complicada quando não somos
educados por outros humanos!), ou não faríamos discursos sobre a “humanização” (que
é processo) do homem pela educação.
Rousseau foi o pensador que revolucionou nossa concepção moderna de infância e, por
conseguinte, de educação: para ele a educação envolvia a cabeça (o pensar), as mãos (o
fazer) e o coração (a sensibilidade moral), mas, pensava ele, nunca estaríamos
completamente “prontos”: toda “educabilidade” é aperfeiçoamento, quer dizer, a
esperança de que seremos aquilo que ainda não somos, mas que permaneceremos
sempre “incompletos”. Fundamentar a educação nesta esperança é uma típica fé
moderna naquele aperfeiçoamento, e que só pode ser concebida no interior de uma
determinada concepção de história, HISTÓRIA como recurso secular dos imperfeitos
(um “Ser Perfeito” não precisa de História).
Da educação nós já estivemos esperando muita coisa, que ela, de alguma forma, nos
“salve”: da opinião ou do senso comum (Platão), da tentação (Agostinho), da
irracionalidade (Descartes), da tirania (Voltaire), da alienação (Marx), da opressão
(Paulo Freire), da sociedade carcerária (Foucault)… O problema é que existe uma
“outra” educação que faz exatamente o contrário: há, da mesma forma, uma educação
para a alienação, para o senso comum, para a irracionalidade, para a alienação, para a
servidão. Ou seja: nem toda educação liberta ou humaniza (o preconceito, a exclusão do
outro, o ódio, também precisam ser ensinados!), e aquilo que é visto numa determinada
época como “libertador” (o Iluminismo ou a tradição Humanista europeia, por
exemplo), pode ser visto em outra – a nossa!- como opressivo, etnocêntrico, colonial,
etc. Assim, nunca saberemos se o que estamos “produzindo” em termos educacionais
(na teoria e na prática) representa um avanço na ideia de “aperfeiçoamento”. Estamos,
como educadores, presos à uma profissão encurralada entre a INCERTEZA e a
ESPERANÇA!
A Esperança – uma das três virtudes teologais- produziu o neologismo verbal
ESPERANÇAR, entendida como ação concreta, política, para que o que esperamos se
realize: o problema é o quê devemos “esperar/esperançar”? Sujeitos autônomos e
conscientes? Cidadãos ativos e intervenientes? Trabalhadores produtivos, disciplinados
e dóceis? O militar robotizado e obediente? O problema está em querer definir o
“sujeito” final da educação (o cidadão, o trabalhador, o patriota…) antes mesmo que ele
possa se manifestar, antes até que ele entre numa relação pedagógica: sabemos sobre o
que ele – o educando – deve ser, antes de ser. Ele é que não sabe! É por isso que toda
educação inicia por nomear a consciência do Outro em sua precariedade (o outro
educando e educável é “ignorante”, “inculto”, “analfabeto”, “inexperiente”, “alienado”,
“ingênuo”…), esperando que, ao final (?) ele tenha saído de sua situação original. E,
claro, é preciso que haja alguém que nomeia, quer dizer, que sabe sobre o Outro o que
ele mesmo ignora e, nesse momento, eu posso não apenas me entronizar como educador
como me legitimar para estabelecer uma relação específica com ele: a relação
pedagógica, que é diferente de todas as outras relações intersubjetivas.
Antigamente, nós acreditávamos que a educação estava baseada numa “transmissão” –
de um saber- de um lugar (o professor) para o outro (o aluno): essa ideia, batizada de
“educação bancária” (Paulo Freire) foi desmoralizada (embora o próprio Freire tenha
estudado numa escola certamente “bancária” e, assim mesmo, tenha se tornado… Paulo
Freire!). Mas, bem ou mal, aceitemos que há sempre algo que se “transmite” em todo
ato educativo: o Mundo! Hannah Arendt dizia que a “educação é aquele ponto em que
decidimos se amamos o Mundo suficientemente para permitir sua continuidade”. Se há
algo que precisa ser “transmitido” pela educação é o Mundo (e não necessariamente
saberes engessados) e sem essa transmissão estaremos no escuro, sem lembrança e,
sobretudo, sem esperança. E na ausência de utopias, terminaremos por nos voltarmos
contra o passado. Aliás, já estamos fazendo!
Flávio Brayner
é Professor Emérito da UFPE