Novo arcabouço elimina do teto de gastos uma série de despesas, inclusive precatórios

Ilustração do Thiago Fagundes (Agência D.A.)

Rosana Hessel
Correio Braziliense

O projeto de lei complementar que trata do novo arcabouço fiscal, que vai substituir o teto de gastos e foi finalmente assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta terça-feira (dia 18), deixou mais dúvidas do que certezas, pois criou uma série de exceções para despesas no teto de gastos, como precatórios, que podem fazer uma série de furos no novo sistema.

Apesar de o texto do projeto de lei complementar prever a exclusão de receitas não recorrentes da base de cálculo para as despesas, foram criadas uma série de exceções que estão levando economistas a refazerem as contas, porque parece que elas não fecham para o cumprimento das metas de resultado primário, mesmo com as bandas de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo, que o governo está propondo, como zerar o rombo fiscal em 2024 e, a partir de 2025, obter um superavit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

GERA DESCONFIANÇA – A lista de exceções é grande e está gerando desconfiança sobre a sustentabilidade do novo limite para as despesas.

Além de precatórios (dívidas judiciais que o governo anterior deu um belo calote em parte delas e que estão virando uma bomba fiscal para os próximos anos), entraram na lista de exclusão despesas custeadas com recursos oriundos de transferências dos demais entes federativos para a União, destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia, despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições e despesas com aumento de capital de empresas estatais não financeiras e não dependentes.

De acordo com um técnico da Esplanada dos Ministérios, o desenho do novo arcabouço nasce com a ideia de limite frouxo para as despesas.

HÁ 13 EXCEÇÕES – “O importante, num ajuste fiscal, é limitar o gasto, mas criaram 13 exceções no novo teto de gastos, incluindo precatórios. Numa primeira visão me parece um teto todo furado”, destacou o economista que pediu anonimato.

Ele observou que as empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais e as instituições federais de educação, ciência e tecnologia, vinculadas ao Ministério da Educação, estão entre as exceções também.

“Essas exceções não estavam na conta, é sempre há o risco de o governo aumentar gastos por essa brecha. Algumas dessas exceções já estavam na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, e o governo não quis mexer provavelmente”, destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

REGRAS MAIS ABERTAS – “Esses gastos são relevantes e não caberiam na regra que o governo pretende, provavelmente, se não houvesse esforço para reestruturar os gastos. Vamos ter que acompanhar para ver ano que vem se o governo não está gastando fora da regra por esses escapes. No anúncio em março ela parecia mais fechada e agora está mais aberta do que deveria”, acrescentou.

Contudo, Sérgio Vale considera que foi bastante positiva a sinalização do governo sobre o que não entra como receita que seria usada para estimar o gasto.  “Tenho impressão que, para conseguir entregar esse superávit primário, o governo, terá que fazer esforço contínuo de contingenciamento”, afirmou.

Para ele, o arcabouço é menos rígido do que o teto de gastos, porque prevê crescimento real das despesas (acima da inflação).

PRESSÃO POLÍTICA – “O governo continuará com dificuldade para gerar receita para cumprir o mínimo do resultado primário. Será um governo que vivera de contingências e, por isso, sofrerá pressão política o tempo todo também”, alertou.

O economista da MB destacou que o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, enviado ao Congresso Nacional na última sexta-feira (14/4), também deixou várias dúvidas sobre a real orientação do governo sobre a política fiscal no ano que vem.

Um economista de banco privado elogiou, contudo, o fato de o governo ter retirado os bancos públicos das exceções à nova regra, pois a Fazenda chegou a cogitar que os bancos públicos federais poderiam receber aportes fora do limite de gastos. “A retirada das exceções dos bancos públicos foi positiva”, afirmou.

E A DÍVIDA? – Segundo este economista, o que chamou atenção foi o limite para o bônus destinado para investimentos. “Não foi definida a regra 1/3 para investimentos e 2/3 para pagamento de dívida. Não existe isso lá. Mas aplicou-se essa regra de no máximo 1/3 para investimentos para o período de 2025 a 2028. Essa escolha pareceu um tanto estranha”, destacou.

Para o analista, essa medida não atende à crítica de da presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffman (PR), “pois impõe limite para a atual gestão e metade da próxima e não atende à busca estrutural de destinar melhoras fortes de superavit primário para pagar dívida”.  “Achei uma escolha um pouco estranha. Claro que pior teria sido atender plenamente ao pedido da Gleisi de não ter trava nenhuma”, acrescentou.