Primeiro de Abril. Por José Paulo Cavalcanti Filho


  Por José Paulo Cavalcanti Filho  –  Escritor, poeta, membro das Academias Pernambucana de Letras e Brasileira de Letras e  um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade

Sábado passado foi 1º de abril. E talvez seja bom lembrar quando passou, esse, a ser considerado o Dia da Mentira. Segundo versão mais aceita, é preciso voltar no tempo. Até quando começava, o ano civil, em 21 de março (data do início da primavera europeia). Com celebrações que tinham seu clímax, precisamente, no tal 1º de abril. Em Roma, era a Festa da Primavera. Isso até fins de 1564. Quando o rei Carlos IX da França, atendendo recomendação do Concílio de Trento (1545 a 1563), fez coincidir o início do Ano Novo com a data da circuncisão de Jesus (assim se acredita), 1º de janeiro. Aposentando o calendário Juliano, até então vigente. Com o Papa Gregório XIII logo depois, em 1582, editando a bula Inter Gravissima, institucionalizando o novo sistema para todos os países católicos. Em sua homenagem, a partir daí, esse calendário passou a ser conhecido como Gregoriano. Convertendo 1º de abril, segue-se, no Dia do Ano Falso. Mas só bem depois, na França, começou a sua má fama. Desde aquela época um trouxa, por lá, é chamado Poisson d’Avril (peixe de abril). Tanto que Napoleão, ao casar com Maria Luísa da Áustria num 1º de abril (de 1810), ganhou precisamente esse apelido ? Poisson d’Avril. O nome é o mesmo em muitos outros países. Na Inglaterra, April Fool. Polônia, Prima Arrives. Escócia, Gowk (cuco). E por aí vai.

As brincadeiras ganharam, também, os meios de comunicação. Em um primeiro de abril de 1848, por exemplo, começou a circular em Pernambuco um jornalzinho chamado, não por acaso, A Mentira. Sua primeira manchete foi a morte do Imperador Pedro II. Só que Pedro II, como sabemos, morreu muito depois ? em 1891, na distante França. Mas essa é outra história. Os casos mais conhecidos de notícias mentirosas correm mundo. A BBC noticiou, em 1957, ter descoberto uma árvore de espaguetes. Em 1999 foi anunciado, no Rio Grande de Sul, que a grande Fernanda Montenegro havia ganhado o Oscar. Não era verdade mas deveria, pois ela merece. Em 1º de abril de 2000 o Google disponibilizou, ao público, uma página de buscas chamada Mentalplex, capaz de ler a mente das pessoas. Com ela, não seria mais necessário digitar o que se quer saber teclando na barra de busca. Bastaria olhar fixamente uma bolinha de cristal colorida, disponível na página. Com multidões de usuários tentando por dias conseguir operar o novo sistema, sem sucesso, até saberem ter sido só uma peça. Em 2008, o site de relacionamentos Orkut anunciou que mudaria seu nome para Iogurt. Sem contar o Jornal do Commercio (do Recife) que em 01/04/2018, na segunda capa da primeira página, deu manchetes como essas:

  • País elimina corrupção.
  • Políticos brasileiros são todos honestos.
  • Brasil sem inflação vive a era de pleno emprego.
  • Refinaria, um exemplo de boa gestão.
  • Náutico, Sport e Santa nas semifinais da Libertadores.
  • Boa Viagem fica livre dos tubarões.

Na literatura, são muitos exemplos. Como o do maior matemático inglês do sec. 19, Charles Lutwidge Dodgson, autor (entre outros livros) de Tratado Elementar dos Determinantes. E só bem mais tarde, em 1856, escreveu Alice no País das Maravilhas. Romance assinado por um pseudônimo, Lewis Carroll. Sendo o L e C, na capa, um anagrama imperfeito e invertido de C e L, os dois primeiros nomes civis desse professor de Oxford. Assim também se deu com Charles Dickens, que escreveu David Copperfield. O autor, CD, convertido em seu personagem, DC. LC é também, em inglês, o próprio som (pronunciado naquela língua) do nome de seu personagem Alice. Por coincidência, também se chamava Alice (Liddell) uma jovem amiga do autor. São muito diferentes; mas, no fundo, são semelhantes. Alice era mulher, LC homem. Ela jovem, LC velho. Ela não acreditava em Deus, LC um luterano empedernido. Ela quase analfabeta, LC um mestre. Alice era LC ao contrário. Como sugere no título do livro que veio a seguir, ele próprio seria Alice Através do Espelho. Seja como for deu tão certo que seu livro é, depois da Bíblia, o mais citado na literatura universal. Nele, vemos de tudo. Inclusive, e aqui chegamos ao ponto que nos interessa, essa curiosa definição que nos remete a um dia como o de sábado passado, “As falsas tartarugas são aquilo de que são feitas as falsas sopas de tartarugas”. Uma mentira dentro de outra mentira.

Pensando bem, a verdade é o que menos importa, nesse mundo em que hoje vivemos. Hannah Arendt, no seu Entre o Passado e o Futuro (Debates), escreveu: “A busca desinteressada da verdade tem uma longa história; caracteristicamente, sua origem precede todas as nossas tradições teóricas e científicas, incluindo nossa tradição de pensamento filosófico e político”. Já o Padre António Vieira diz, nos Sermões (37): “Mentem as línguas, porque mentem as imaginações; mentem as línguas porque mentem os ouvidos; mentem as línguas porque mentem os olhos; e mentem as línguas, porque tudo mente e todos mentem. Como os ouvidos são dois e a boca uma, sucede que, entrando pelos ouvidos duas verdades, sai pela boca uma mentira”. Mas, já encerrando, é impossível deixar de falar em nosso Brasil. Que, num 1º de abril, deu-se o Golpe de 1964. Depois, para não ficar mal com a história, trocaram tudo. A data ? que voltou um dia para ser, oficialmente, 31 de março. E o nome do evento ? que, em vez de Golpe, virou Revolução. Numa espécie de alusão à Revolução Francesa. Como se os enfants de la patrie (meninos de rua) e todo o resto do povo estivesse, nas praças públicas, em favor do movimento. O que, sem dúvida, é uma mentira.