Da Folha de S. Paulo
A SPU (Secretaria de Patrimônio da União), vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, paralisou o processo de instalação de um megaempreendimento turístico na ilha de Boipeba, em Cairu, na Bahia.
O projeto, que deve ocupar uma área de 1.651 hectares de mata atlântica, é alvo de protestos das comunidades locais, que reivindicam que na região vivem povos tradicionais.
Em despacho assinado pelo secretário, Lúcio Geraldo de Andrade, enviado nesta quinta-feira (6) à empresa Mangaba Cultivo de Coco, a SPU suspende por 90 dias os efeitos da “transferência de titularidade” da propriedade até que sejam esclarecidos “os possíveis vícios do processo”.
A região é uma área pública federal e a titularidade foi transferida para a Mangaba, responsável pela obra, em abril do ano passado. Andrade assumiu o posto no final de fevereiro deste ano. Ele é advogado, foi servidor de carreira do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) entre 1982 e 2005 e passou pelo Ministério da Pesca de 2008 a 2012.
A secretaria determina, ainda, que não seja executada qualquer obra ou benfeitoria no local até que se apure se o empreendimento “atende à legislação patrimonial” e que seja publicada uma portaria que delimite o perímetro do território tradicional da comunidade de Cova da Onça.
Procurado, o sócio gestor do projeto, Marcelo Stallone, se pronunciou em nota afirmando que a empresa prima “pelo cumprimento irrestrito da legislação e do devido processo legal” e que buscará “demonstrar a regularidade da ocupação da área pela Mangaba”.
“Esperamos que tudo seja resolvido o mais rápido possível, em observância ao direito de todos”, conclui.
A licença para o empreendimento foi concedida pelo Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) no início de março e prevê que sejam construídos um condomínio residencial com 67 lotes, duas pousadas (uma com 25 quartos e outra com 25 casas), infraestrutura viária, píer e pista de pouso.
A área total (1.651 hectares) equivale à de dez parques Ibirapuera, em São Paulo.
Também foi autorizado o uso de dois lotes para atividades de interesse social, como centro cultural, equipamento esportivo e estação de tratamento de resíduos.
O projeto é alvo de uma ação do MPF (Ministério Público Federal) na Bahia, que questiona os impactos do empreendimento para a comunidade local, já que a região está em processo de reconhecimento como reserva de comunidades tradicionais. O órgão pede que a licença ambiental seja revogada e afirma que a atuação do Inema é obstáculo ao modo de vida das comunidades tradicionais.
À época da ação do MPF, a Mangaba disse que o projeto foi submetido a diversos órgãos públicos e que a licença está vinculada ao cumprimento de 59 condicionantes socioambientais.
Afirmou, ainda, que o projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos prevê construções em menos de 2% da área total da propriedade, e supressão vegetal em 0,17%, o que garantiria “a preservação naturalmente da APA das Ilhas de Tinharé-Boipeba”.
O Inema se manifestou em nota sobre o despacho da SPU reafirmando “a correção e a lisura da licença ambiental emitida” e ressaltando que “o empreendimento foi licenciado com base na lei”.
“Importante esclarecer que o Ato de Registro Imobiliário Patrimonial na SPU é de 2008, quando foi reconhecida a ocupação, e somente agora, 15 anos depois, está sendo revisto para apurar possíveis vícios no processo”, diz o texto.
O órgão também afirma que a licença concedida já previa a restrição ao início de intervenções até que fosse emitido o termo que delimita a área destinada à comunidade da Cova da Onça.
Uma audiência pública sobre o caso está prevista para o dia 18 de abril, na Assembleia Legislativa da Bahia.
A empresa responsável pelo projeto se manifestou sobre o caso. Leia:
A empresa Mangaba Cultivo de Coco vem esclarecer os principais pontos do projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos, localizada na Ilha de Boipeba, município de Cairu, Bahia.
Ao contrário do que vem sendo divulgado, o projeto prevê construções em menos de 2% da área total e supressão vegetal em apenas 0,17% (com sua devida compensação determinada pela Lei 11.428 de 2006) de 1.651 hectares adquiridos pelo grupo em 2008, o que garante a preservação naturalmente da APA das Ilhas de Tinharé-Boipeba.
A autorização e licença de instalação concedidas pelo Inema, através da Portaria 28.063 de 07 de março de 2023, preveem a implementação de um condomínio residencial rural com 69 lotes, sendo dois deles destinados para a comunidade de Cova da Onça para construção de um centro de cultura e capacitação, campo de futebol, equipamento esportivo e estação de tratamento de resíduos. Preveem também a construção de duas pousadas com 25 quartos cada, ao contrário de um resort de luxo como foi noticiado, de um atracadouro flutuante para pequenas e médias embarcações e a recuperação da pista de pouso já existente, tudo isso cumprindo rigorosamente 59 condicionantes socioambientais. Ressalte-se que o projeto autorizado pelo Inema não prevê a construção de campo de golfe.
Entre as condicionantes, estão o plano gestão de resíduos sólidos, gestão urbana e melhorias no saneamento básico da comunidade de São Sebastião (Cova da Onça), capacitação da mão de obra local, manutenção dos caminhos tradicionais para o Rio Catu, para os portos do Almendeiro Grande, da Ribanceira, do Coqueiro e do Campo do Jogador e livre acesso para as atividades extrativistas, respeitando o limite do manguezal.
O projeto foi submetido à manifestação de diversos órgãos, como o próprio Inema, o IPHAN, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Cultural Palmares (FCP), por exemplo.
Desde 2008, a Fazenda Ponta dos Castelhanos, que tem como sócio gestor Marcelo Pradez de Faria Stallone, vem cumprindo à risca diversos compromissos, entre os quais o Plano de Manejo APA Tinharé-Boipeba.
Além disso, sob orientação do Projeto Tamar, a Mangaba tem se responsabilizado pelo serviço de monitoramento e proteção dos ninhos de tartarugas marinhas, já que a Praia dos Castelhanos constitui uma área de desova. O serviço consiste em patrulhar diariamente a praia, promovendo sua limpeza e, nos períodos de desova, identificar, sinalizar e proteger os ninhos e registrar informações.
Importante destacar que, como demonstração do apoio da comunidade local ao projeto, em 2019, os habitantes de São Sebastião (Cova da Onça) encaminharam a autoridades municipais, estaduais e federais abaixo-assinado a favor da iniciativa, refletindo o entendimento daqueles que habitam, trabalham e estudam no território, já que se trata de uma importante e bem-vinda alternativa social, ambiental e econômica para o desenvolvimento sustentável da região.
Por fim, com o intuito de fortalecer ainda mais a relação com a comunidade local e outros atores envolvidos no processo, e garantir a transparência de todas as etapas, a Mangaba Cultivo de Coco vai instituir um comitê de relacionamento comunitário. A ideia é sensibilizar e mobilizar a participação, com vistas à compreensão popular das principais propostas do projeto. Além disso, será enfatizada a construção coletiva de um processo de escuta com o trade turístico, órgãos públicos municipais e outros agentes envolvidos.