A “poeira” engarrafada. Por CLAUDEMIR GOMES

Por CLAUDEMIR GOMES

Em artigo publicado na edição desta quarta-feira (29/03/2023) %u2013 Sacudindo a sobrecasaca %u2013 o mestre, Arthur Carvalho, nos repassa alguns ensinamentos sobre a crônica, este gênero literário bastante discutido. Citou a definição  dada pelo escritor, Gustavo Corção: “A crônica  brasileira é uma maneira leve de tratar as coisas graves, e uma maneira grave de tratar as coisas leves”. Genial!

Durante todo o dia de hoje, fiquei atento, as reações das pessoas sobre a espetacular vitória do Íbis – 3×1 – sobre o Santa Cruz, em jogo válido pelo Campeonato Pernambucano. Um resultado desastroso, que pode trazer consequências sem precedentes para o Tricolor do Arruda.

Por se tratar de um clube de massa, podemos afirmar que, o Clube do Povo, também tem uma legião imensurável de torcedores do contra, fato que explica a enxurrada de memes nas redes sociais, e a gréia que rolou solta nos quatro cantos do Estado, para deleite dos que não são tricolores.

No futebol tem disso: o que da pra rir, da pra chorar.

A classe social mais baixa sempre foi jogada para a periferia das cidades. Comunidades que convivem com todos os tipos de problemas sociais, e que têm no futebol sua válvula de escape. Esta a realidade de quinhentos anos. Pois bem! Por ter fincado suas raízes no bairro do Arruda, região pobre, na área norte do Recife, o Santa Cruz passou a ser conhecido também como “o time da poeira”. Apelido imortalizado num frevo dos Irmãos Valença:

“Quem é que quando joga, a poeira se levanta? É o Santa, é o Santa”. O apelido “poeira” foi porque os torcedores tricolores saiam as ruas, de chão batido, sem calçamento e asfalto, para comemorar as vitórias do Tricolor do Arruda. Os festejos levantavam poeira.

Não é por acaso que se diz “ser a torcida o maior patrimônio do Santa Cruz”.

O tempo passou, e nos dias de hoje, não existe mais poeira  para frevar ao som dos acordes do Mastro Forró. Na década de 70 o Santa Cruz foi exemplo de progresso e crescimento no futebol brasileiro. Mas a vaidade dos homens que se digladiavam por cargos diretivos criou vários canais de segregação.

O complexo esportivo do Estádio José do Rego Maciel foi negligenciado. A antiga sede social foi a leilão. A “poeira” parecia resistir a tudo com seu amor incondicional, demonstrado através de atitudes. Palavras vãs de pseudos amantes já não ecoam. Estanhos se apoderaram do ninho das cobras. Sem conhecimento da matéria futebol, corroeram o que antes parecia de uma solidez inquebrantável.

Evocando um passado de glória, sempre haverá um “salvador da pátria”, mas a realidade é bem outra.

“O Santa Cruz não vai acabar!”. Sentenciou Val, um torcedor tricolor de dentro do seu taxi, para rebater as gozações dos amigos no local onde faz ponto, em Boa Viagem.

“Não se faz futebol sem dinheiro”, disse o professor de Educação Física, Haroldo Cruz, como se estivesse apontando a causa do caos.

As palavras de Haroldo fizeram Val cair na real. Buscou no YouTube a canção – O Fim – do saudoso, Altemar Dutra, aumentou o som do carro, ascendeu um cigarro, deu um super trago e se perdeu em devaneios:

“Por onde tu andares

Na certa encontrarás

Em tudo uma lembrança

Do que ficou pra traz

De um amor, que era lindo

E a vida fez morrer

E agora só nos resta

Lembrar, nada mais…”.

Como era bom o tempo em que a poeira era colírio para os olhos da multidão.