Cézar Feitoza
Folha
No mesmo dia em que a cúpula da Marinha se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a instituição enviou aos oficiais da Força uma mensagem interna dando 90 dias para que militares da ativa se desfiliem de partidos políticos, sob risco de punição.
O comunicado, obtido pela Folha, foi enviado de formas diversas em cada organização militar. Em uma delas, o texto diz que a ordem foi dada após a Força fazer um levantamento e identificar a existência de “militares da ativa filiados a partidos políticos, em contrariedade às normas constitucionais”.
SITE DO TSE – O Comando da Marinha orienta que os militares, por via das dúvidas, acessem o site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para inserirem seus dados e verificarem se estão filiados a algum partido político.
“É possível que, em determinados casos, a filiação tenha se dado antes do ingresso do militar no serviço ativo ou até mesmo sem sua ciência ou consentimento”, minimiza o comunicado.
“Com o propósito de cumprir a legislação vigente, decorrido o prazo estipulado de 90 dias sem que haja a correspondente desfiliação, serão adotadas as medidas disciplinares cabíveis em decorrência do eventual descumprimento da norma constitucional”, encerra.
90 DIAS – O prazo passou a contar no dia 8 de março, quando foi emitido um documento interno chamado Bono Especial 231/2023 com as orientações sobre a desfiliação partidária. O comunicado foi divulgado a toda a Força neste dia, e algumas Organizações Militares enviaram e-mails reforçando a ordem nesta quinta-feira (15).
Em nota, a Marinha informou que “que de acordo com o inciso V, do § 3º, do art. 142 da Constituição Federal, o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos”. Apesar da proibição, autoridades militares ouvidas pela Folha afirmam que casos de filiações podem passar ao largo, já que não há fiscalização constante sobre o assunto.
A ordem da Marinha, com o prazo de 90 dias, foi dada no âmbito de discussões travadas entre os comandantes das três Forças e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.
DESPOLITIZAR – A iniciativa é para sinalizar, interna e externamente, que há um esforço para despolitizar as Forças Armadas. Nesse mesmo contexto, Múcio entregou na terça-feira (14) ao Palácio do Planalto uma minuta de PEC (proposta de emenda à Constituição) para proibir que militares da ativa assumam cargos políticos.
Nas regras atuais, se um militar quiser se candidatar a cargos no Legislativo ou Executivo, ele deve pedir afastamento da Força. Se não se eleger, o militar fica autorizado a voltar à ativa. É exatamente o retorno que a Defesa quer evitar com a PEC em gestação.
Nesta quarta, Lula almoçou com o almirantado (colegiado que reúne os almirantes de Esquadra, a patente mais alta da Marinha). Segundo pessoas que participaram da reunião, o encontro foi uma iniciativa dos militares para apresentar seus programas estratégicos de defesa.
INVESTIMENTOS – Houve ainda pedidos de atenção especial do governo ao orçamento da Força, diante da necessidade de manter investimentos de longo prazo em equipamentos.
A Marinha foi a Força que mais criou dificuldades para Lula durante a transição de governo. O ex-comandante Almir Garnier evitou encontros com Múcio e faltou à passagem de comando para o novo chefe Marcos Sampaio Olsen —ação inédita desde a redemocratização.
Olsen, porém, passou a ser celebrado na Defesa e por interlocutores do presidente Lula como um dos comandantes de melhor trato. A atuação da Marinha no auxílio das operações contra o garimpo na Terra Indígena Yanomami também foi vista como exemplar e citada como um símbolo da mudança de postura das Forças Armadas.