Seria adequado considerar “terrorista” quem participa de atos de vandalismo?

Charge do Zé: Terrorismo em Brasília | NSC Total

Charge do Zé Dassilva (NSC Total)

Rogério Fernando Taffarello
O Globo

Após a destruição do patrimônio histórico, artístico, cultural e institucional brasileiro, perpetrada no coração de nossa democracia — as sedes dos Três Poderes — e iniciadas as urgentes medidas de investigação para responsabilização de culpados, debatem-se quais os crimes a serem atribuídos a executores, organizadores, financiadores e mandantes dos atos antidemocráticos a que assistimos no domingo.

As condutas evocam vasta pluralidade de delitos, incluindo-se as gravíssimas tentativas de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de deposição de governo legitimamente constituído, previstas no Código Penal. Dúvidas surgem em relação ao delito que, ao lado destes, poderia ser central nos eventos de 8 de janeiro: seria correto considerá-lo terrorismo?

O QUE É TERRORISMO? – A resposta não é óbvia, pois, ao mesmo tempo, negativa pelo ângulo jurídico, e afirmativa pelo ângulo político. A legislação brasileira define terrorismo como atos praticados “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública” (art. 2º, Lei 13.260/16).

Se estão claras a causação de terror social e generalizado e agressões a pessoas, patrimônio, paz pública e incolumidade pública, sua motivação revela-se essencialmente política, e não de discriminação de grupos. Sendo distintos os motivos dos descritos na lei, não se trata, propriamente, do crime de terrorismo.

E, mesmo que alguns possam ter se movido também por tais razões, teriam elas incidido de forma secundária e como exceção. Em Direito Penal, a boa técnica impõe a interpretação restritiva, e não ampliativa, do alcance do delito.

HÁ CONTROVÉRSIAS – Muita polêmica houve — primeiro em escolas de Direito e de ciências políticas e depois no Congresso — em torno de qual deveria ser o conceito legal de terrorismo e se a motivação política de atos de terror social deveria ser contemplada em lei.

O debate é antigo e, no Brasil, a escolha legislativa, acertada, foi no sentido de afastar essa motivação do conceito a fim de prevenir usos desviados da lei para criminalizar movimentos sociais legítimos e facilitar perseguições de opositores políticos.

Cumpre destacar, porém, que a ressalva jurídica não veda que se reputem a “terroristas” as violências praticadas — assim, aliás, referiram-se os presidentes dos Três Poderes em nota conjunta sobre o episódio.

DIZ O HOUAISS – O conteúdo semântico do vocábulo terrorismo transcende sua acepção legal, e, não à toa, entre suas definições trazidas pelo Dicionário Houaiss, encontra-se a “prática de atentados e destruições por grupos cujo objetivo é a desorganização da sociedade existente e a tomada do poder”, a qual descreve fielmente os atos de 8 de janeiro, expressão de um terror político que merece repúdio.

Se importa esclarecer os limites do crime de terrorismo previsto em lei, é preciso lembrar que, como já dito pelo professor Hübner Mendes, “a lei e o Direito não têm monopólio da linguagem crítica da política e da moral”.

Mais do que nunca, em nossa jovem democracia, é preciso, ora, prevenir que peculiaridades da linguagem e da operatividade jurídicas impeçam agentes políticos e imprensa de, cumprindo com suas elevadas responsabilidades públicas, dar nome e gravidade adequados a atentados contra o Estado Democrático.