… impossível não pensar nas tantas vidas destruídas em vão. Caminhos interrompidos. Ilusões perdidas. Sonhos desfeitos. Em seu “Rubáiyat”, Omar Kháyyám disse: Bebe um pouco de vinho/ Porque dormirás muito tempo/ Debaixo da terra. Agora, vimos que o mundo real anda longe da poesia.
Por José Paulo Cavalcanti Filho – Escritor, poeta,membro da Academia Pernambucana de Letras e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.
Em seu “Primeiro Fausto”, Fernando Pessoa escreveu: Bebe-me, bebe-me, bom bebedor/ A vida é um dia e a morte um horror. O acidente da Rosa e Silva, neste fim de semana, é a melhor prova de que tinha razão. A morte é mesmo um horror. Mas o enredo, no mundo real, não teve nenhuma poesia. E foi injusto. Que o bom bebedor saiu andando, calmamente, como se nada tivesse acontecido. Sem nem se preocupar com as marcas da tragédia que deixou no chão. Restos de vidro, sangue, metal e lágrimas. Atrapalhando o tráfego.
Em toda parte, há diferenças nas penas aplicáveis a esse tipo de acidente. Quando se trate de “homicídio involuntário” ou “negligente”; e, mais grave, “homicídio por imprudência” ou “negligência grave”. As terminologias são quase sempre as mesmas, nos outros países. Há, também, fatores agravantes: a) Nível da imprudência; b) Estado do veículo; c) Ingestão de álcool pelo condutor; d) Se o veículo foi roubado. No primeiro caso, só uma pequena amostra, temos penas de até 4 meses de prisão (Dinamarca), até 3 anos (França, Bélgica, Holanda), até 5 anos (Alemanha, Espanha, Itália), até 10 anos (Estados Unidos, Inglaterra). Além de multa, de 5.000 euros até 500.000 dólares. No outro, penas bem mais pesadas.
Que o bom bebedor saiu andando, calmamente, como se nada tivesse acontecido. Sem nem se preocupar com as marcas da tragédia que deixou no chão. Restos de vidro, sangue, metal e lágrimas. Atrapalhando o tráfego.
Por aqui, seguimos essa tendência nos casos mais simples. Considerados “homicídio culposo”. E que estão, não no Código Penal, mas no Código Brasileiro de Trânsito. Com penas de 2 a 4 anos. Aumentadas de 1/3 quando não haja prestação de socorro. Já dirigir embriagado é crime autônomo, com pena de 6 meses a 3 anos. Penas só restritivas de direitos, bom lembrar. Como prestação de serviços comunitários. Ou cestas básicas. Longe da prisão.
E o que vai acontecer, neste caso, com o causador de tantas mortes?, eis a questão. É cedo para saber. Primeira hipótese é nada. Como se trata de um dependente químico, o argumento óbvio, a ser alegado pela defesa, é que se trata de um inimputável. Se der certo, com algum tempo voltará ao volante do seu carro. Deus nos proteja. A menos que o Poder Judiciário o tenha como plenamente capaz. Então será condenado. Naquelas penas do Código de Trânsito.
…quem vai dormir embaixo da terra, antes de sua hora, não é quem bebe. São as vítimas de quem bebe. O que é diferente. Muito diferente.

Por José Paulo Cavalcanti Filho – Escritor, poeta,membro da Academia Pernambucana de Letras e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.