… teatros começam sempre na hora marcada. Sem cambistas. E sem meias entradas. Estudantes que podem, pagam (sem que sejamos obrigados a pagar por eles). Os que não, vão para torrinhas (sempre bem baratas). Como em toda parte. Pedestres atravessam as ruas, nas faixas, sem riscos. Motoristas esperam, pacientemente, até que passem. Não há espertinhos furando fila…

Por José Paulo Cavalcanti Filho – Escritor, poeta,membro da Academia Pernambucana de Letras e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.
Lisboa – Brasileiros, cada vez mais, andam comprando apartamentos por aqui. Ou visitam, em bandos, essa Nobre Lisboa que no mundo facilmente das outras és princesa, como a queria Camões (em “Os Lusíadas”, Canto III). A mesma que, para o amigo Pessoa, era só Uma eterna verdade vazia e perfeita (“Lisbon Revisited – 1923”). Mas por quê?, eis a questão.
Respostas óbvias seriam a língua, que brasileiros demais falam apenas português. Ou uma culinária sem defeitos, segundo Maria Lectícia. Por revelar sabores sofisticados. Enquanto preserva um gostinho de comida caseira. Sem contar sua doçaria, consensualmente considerada a mais importante do mundo. Ocorre que, talvez, a razão real seja outra. Talvez seja só para sentir uma realidade bem diferente da que vivemos, no Brasil.
Isso se vê mesmo em coisas simples. Por exemplo, teatros começam sempre na hora marcada. Sem cambistas. E sem meias entradas. Estudantes que podem, pagam (sem que sejamos obrigados a pagar por eles). Os que não, vão para torrinhas (sempre bem baratas). Como em toda parte. Pedestres atravessam as ruas, nas faixas, sem riscos. Motoristas esperam, pacientemente, até que passem. Não há espertinhos furando fila. Nem nos carros. Nem nas bancas de frutas ou de jornais (com todos disponíveis, de todos os cantos). E vendedores oferecem, nas esquinas, castanhas portuguesas bem quentinhas. Postas em sacos de papel (depois jogados em lixeiras) com dois bolsos. Um para as castanhas. Outro para as cascas, evitando sujar o chão.
…a maior diferença é a segurança. Passeamos, pelas ruas, em paz. Aos restaurantes do centro vai-se a pé. De lá, é comum voltar aos hotéis altas horas. Andando. Sem sustos. Grupos de turistas sentam, depois da meia-noite, nos bancos da Avenida da Liberdade. Para conversar. Sem riscos. Sem medos. Bem visto, a razão real para vir a Portugal talvez seja a de que os brasileiros desejam, de vez em quando, sentir um gostinho de civilização.

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