Cerqueira foi defensor dos perseguidos políticos
Sebastião Nery
No dia 12 de abril de 1972, no horror da ditadura Médici, escrevi em minha coluna na “Tribuna da Imprensa” e tantos outros jornais: – “Marcelo Caetano, primeiro-ministro de Portugal: Portugal jamais abandonará o controle sobre suas províncias da África”. Mussolini também disse que a Itália jamais sairia da Abissínia. Acabou berrando de cabeça para baixo em um posto de gasolina de Milão. Como um bode imundo. Hitler também disse que a Alemanha jamais sairia da Iugoslávia. Acabou enterrado nos porões de Berlim. Como um verme imundo.
No mesmo dia, o embaixador Manoel Fragoso, de Portugal, foi ao Ministério das Relações Exteriores e exigiu do ministro Mário Gibson Barbosa que eu fosse enquadrado no artigo 21 da Lei de Segurança Nacional: – “Ofender publicamente, por palavras ou por escrito, chefe de governo de nação estrangeira. Pena: reclusão de 2 a 6 anos”.
ABRIU PROCESSO – O ministro Mário Gibson oficiou imediatamente ao ministério da Justiça. O ministro Alfredo Buzaid abriu processo.
Era a primeira vez, no Brasil, que alguém era enquadrado no artigo 21 da Lei de Segurança. O processo andou rápido. Meu brilhante e gratuito advogado e amigo o jurista Marcelo Cerqueira que, com seu generoso talento já me absolvera outras vezes, brincava comigo: “- Nery, você esta frito. Por menos que isso porque chamou Augusto Pinochet de ditador em pleno exercício do seu mandato de deputado federal, Chico Pinto foi condenado, tirado da Câmara e levado para a cadeia. Desta vez você não escapa.”
Eu havia decidido comparecer ao julgamento da Primeira Auditoria da Marinha no Rio de Janeiro. Desse no que desse.
RUMO A SÃO PAULO – Mas nas vésperas do julgamento meus fraternos amigos Graça e Hélio Duque, companheiros de luta na Bahia e de clandestinidade em São Paulo, passaram pelo Rio e não concordaram com a minha ideia de arriscar. Na véspera do julgamento, de madrugada, no carro deles, saímos para São Paulo onde esperaríamos o resultado no dia seguinte.
Condenado iria para Londrina, de lá até a fronteira seguiria para o exílio no Chile e depois Paris. De manhã liguei para José Aparecido em São Paulo. Ele convidou: “- Vamos almoçar com o presidente Jânio Quadros na casa do Pedroso (líder do MDB).”
Jânio chegou de camisa esporte: “- Nery, estava sabendo pelos jornais e o nosso Zé me disse que você será condenado. Não sem razões, sabe-se.”
TOMANDO VINHO – Os três dissolvendo minha tensão com um Borgonha. Pedroso silencioso, sorria, e eu com a cabeça na Auditoria da Marinha. Às 6 da tarde Marcelo telefona: “- Eles são uns desprevenidos. Te absolveram por 4 a 2.
Marcelo havia levantado a tese irrespondível: a lei de segurança falava em Chefe de Estado que era o almirante Américo Tomas, presidente de Portugal. Marcelo Caetano não era Chefe de Estado, era Primeiro-Ministro, Chefe de Governo.
O promotor Militar recorreu para o Superior Tribunal Militar. Meses depois compareci ao julgamento. O promotor militar, que não me conhecia, disse que tanto eu tinha certeza de não ter razão que não tive coragem de comparecer ao julgamento. Marcelo disse apenas:
“- Senhor presidente do Tribunal, senhores Ministros, apresento-lhes o réu aqui presente.” E apontou para mim. Fui absolvido por unanimidade.