Rapapés e salamaleques

Carlos Brickmann

Um país curioso, o nosso: aqui o treinador de futebol é chamado de ‘professor’, o professor de ‘tio’, e falar em mãe é xingamento. Uma república curiosa, a nossa: tem mais de um século e continua obrigando a população a usar nomes pomposos para quem se julga superior aos outros. Juiz, por exemplo, é ‘meritíssimo’, tenha ou não mérito, tenha ou não sido reprovado em concurso. Um reitor deve ser tratado, acredite, por ‘vossa magnificência’. Ocupantes de cargos executivos são ‘excelentíssimo senhor governador’ (ou prefeito, ou presidente), independentemente da excelência de sua administração, de seus conhecimentos ou de seus princípios. Tanto é excelentíssimo um governador competente e ilibado quanto um que tenha deixado o palácio para merecidamente habitar um presídio.

Às vezes a nossa maneira de denominar os cidadãos mais iguais se torna involuntariamente engraçada. Assista a um debate parlamentar e ouvirá coisas como ‘Vossa Excelência é um ladrão’, ou ‘Vossa Excelência falta à verdade e tenta ocultar suas ignóbeis intenções’. Onde está a excelência do ladrão, do mentiroso, do dissimulado que oculta suas ignóbeis intenções? Há ótimos casos no Congresso: Carlos Lacerda, um dos maiores oradores do país, teve certa vez o discurso interrompido por um adversário, aos berros de ‘Vossa Excelência é um purgante’. Respondeu em cima: ‘E Vossa Excelência é o efeito’.

Mas ambos eram Excelências. Já o cidadão comum, no Congresso, é só ‘Vossa Senhoria’. Não é nobre o suficiente. E os outros se julgam nobres demais.

A origem das palavras

Salamaleque é a adaptação do ritual árabe de saudação, em que tradicionalmente quem chega diz ‘Salaam Aleikum’ (a paz seja convosco) e quem o recebe responde ‘Aleikum Salaam’ (seja convosco a paz). Virou, em português, sinônimo de cumprimentos exagerados. O mesmo que rapapé – uma antiga saudação em que, em sinal de respeito, arrastava-se o pé para trás.

Não confundir com pés-rapados. Esses, que exigem tratamento especial, pés-rapados é que não são.