
por Luce Pereira -Diario de Pernambuco
É de cortar o coração. E a cada novo caso que ganha destaque na imprensa, um velho questionamento surge à luz da consciência: o que o poder público está fazendo para estancar a escalada do crack, uma das droga mais devastadoras de que se tem notícia? No Recife, o flagelo amedronta e se propaga em silêncio, deixando por onde passa histórias as mais terríveis de dor e sofrimento, com um saldo aterrador: centenas de famílias estão sendo dizimadas ou pela droga em si ou pelas dívidas contraídas em nome dela.
No último domingo, uma comunidade inteira chorou diante do caixão da menina Vitória, 9 anos, morta em casa por traficantes, crime do qual também saiu gravemente ferida a mãe, Ana Cristina do Nascimento, 32. A polícia investiga a hipótese de Ana e um filho de 12 anos, supostamente viciados em crack, serem devedores de pequena quantia de dinheiro aos criminosos.
Desde ontem, está no Cotel aquele rapaz que salvou a vida da filha de Francisco Brennand, Helena, em dezembro de 2012, cujo carro caiu no Canal de Setúbal (Boa Viagem). Paulo Henrique, à época com 18 anos, atirou-se na água suja do canal, livrou a motorista do cinto de segurança e ajudou-a a sair da água. No entanto, além da breve notoriedade, não recebeu a menor ajuda e seguiu mergulhando cada vez mais fundo na droga.
Surpreendido numa tentativa de assalto com uma arma falsa, Paulo Henrique foi preso e não deverá, pelo que se sabe do sistema de reeducação em presídios e penitenciárias, conhecer a recuperação. Hoje casado e com filho, o rapaz também disse que traficantes ameaçavam a ele e à família e que teria tentado conseguir algo com o assalto frustrado para pagar a dívida.
Diante de um quadro assim, tão assustador, o que estaria fazendo o poder público para desacelerar a escalada da “pedra maldita”? A Prefeitura do Recife tem um Plano de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas. A Câmara Municipal criou, desde 2012, uma Frente Parlamentar só para tratar do assunto. O governo do estado aparece com o Programa Atitude, voltado para a causa. Mas os resultados estão longe de surgir na medida das necessidades. A conclusão é muito simples: sobram discussões, audiências, encontros e falta colocar em prática todas as propostas reunidas no tal Plano, que envolve 14 secretarias e tem 63 ações previstas.
Como discurso, a proposta é elogiável, mas faltam resultados. Quando esteve na Casa de José Mariano, em julho de 2013, num encontro com vereadores, o prefeito Geraldo Julio chegou a fazer uma minúscula prestação de contas da atuação nesta área, que limitou-se ao aumento do número de profissionais envolvidos na tarefa de atender as vítimas. Mais adiante, numa audiência convocada pela Frente Parlamentar, a diretora do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco, Flaviana Silva dos Santos, se encarregaria de traduzir a pulga atrás da orelha de todos: “O grande desafio é fazer o Plano funcionar”.
Parlamentares da Frente foram a Alagoas, numa comissão composta por várias instituições, fazer uma visita à rede de atendimento e acolhimento aos dependentes químicos de Alagoas e a Câmara recebeu o secretário estadual de Promoção da Paz, Jardel Aderico, que veio falar da experiência desenvolvida lá. Mais conversas. No entanto, a falta de estrutura para a prática foi atestada, em abril, pelo próprio presidente da Frente, vereador Luiz Eustáquio, durante visita a albergues terapêuticos, centros de apoio psicossocial e CAPS AD. “A rede municipal está deficiente e precisa de mudança”, disse.
Desde ontem, a Secretaria de Defesa Social começou a operar um sistema de videomonitoramento através de base móvel em quatro comunidades do Recife, isto para facilitar a ação policial nas áreas mais afetadas pelo consumo e venda da droga. Muito pouco. Sem uma atuação em bloco, a sociedade vai continuar de coração partido. Mas até ela não move uma palha.